Crítica: Campo de Jogo

Por Fabricio Duque

“Campo de Jogo”, novo documentário (um “balé-poético-futebolístico”) de Eryk Rocha (de “Transeunte”, “Jards”, “Rocha Que Voa”), foi exibido no Festival do Rio 2014, e na própria sessão de estreia personificou-se a “magia” do que se assistia à tela, quando conhecidos (“atores” locais da comunidade retratada) interagiram (rindo, gritando e “brincando” – de felicidade desmedida, sem limites e ou preocupações externas) com as imagens, produzindo uma metalinguagem “ao vivo” de um filme dentro de um filme (quase um “3D” teatralizado). O longa-metragem aqui retrata a preparação de um jogo “amador” (Geração versus Juventude) de uma comunidade (inclusive sua pintura em cal para fazer as marcas, técnicos com discursos motivacionais, o juiz que quase apanha), por uma narrativa de extremo “close up”, câmera lenta “de transmissão futebolística metafísica” de hiperdimensionar os detalhes, como se fosse um personagem que “participa” muito próximo. “É uma democracia, mas tem respeito”, diz-se, “não se intimidando com cara feia”. O documentário, de reflexão naturalista e percepção sinestésica, traduz o cotidiano de “animo exaltado” e passional do universo dos torcedores e apaixonados por futebol. Em um primeiro momento, como premissa, pode parecer apenas um gênero esportivo, mas definitivamente não é. Na verdade, “Campo de Jogo” trabalha o elemento comportamental do brasileiro, que vivencia as partidas dos jogos com “garra” utópica (investindo tempo e dinheiro), e funciona como um documento antropológico da nossa cultura popular, que muitas vezes “troca” uma alimentação “saudável” por um ingresso de uma final de campeonato. Trocando em miúdos, eles “dão o sangue pelo jogo”, com exagerada e de extremada importância. Eryk consegue captar essa essência, a naturalidade, a não interpretação que se contrasta com a espontaneidade, que por sua vez gera a mais pura interpretação realista, e que se assemelha a um transe de uma música africana, por exemplo. Ou uma bateria de jazz. Ou uma ópera (complementada pela imagem invertida). Estão “possuídos” dentro do “conflito” particular, da emoção da crença “religiosa”, das “adversidades” de “ter que ter” o jogo em qualquer situação (na chuva e nas poças) das “encaradas”, do “vento da terra”, das comemorações (“Um ganha, outro perde”), do campo que os limitam e os libertam e da intrínseca hipérbole que os permeiam. Concluindo, “Campo de Jogo” é um filme para sentir, para assistir, para torcer, para se teletransportar e para vivenciar plenamente a experiência visceral da paixão incondicional e inexplicável pelo futebol. “Campo de Jogo é um filme que fala das minhas memórias e junta duas paixões: futebol e cinema. Eu sempre quis falar sobre esse futebol de periferia que faz um contraponto ao futebol padrão FIFA. Num primeiro momento, a ideia era falar sobre vários espaços, várias locações, mas quando descobri o campo de Sampaio ele era uma síntese de todos os campos que eu tinha visto. E aí conhecendo as pessoas do lugar a coisa foi se confirmando. O que mais me fascinou foi o ritual, o campo como palco para um processo dionisíaco. Na verdade, o próprio jogo já traz essa narrativa, o futebol é uma espécie de dança, e o filme nasce desse amálgama. É um filme político, de resistência. Ele faz um contraponto ao apresentar o futebol brasileiro de raiz, de reinvenção da juventude popular das favelas. O futebol como produto se inspirou em tudo isso: no negro, no moleque, na ginga.”, finaliza o diretor Eryk Rocha. Recomendado.