Crítica: O Caseiro

Por Fabricio Duque

Há muito tempo, o cinema brasileiro deixou de ser considerado unicamente apenas como gênero nacional e adquiriu diversidades narrativas. Era muito comum a percepção popular estigmatizada de contextuar nossos filmes pela temática “surubesca" do sexo livre e ou da comédia pastelão e ou do existencialismo político. Hoje não. Já podemos dividir a cinematografia do Brasil em categorias-gêneros de obras híbridas. Esta “conversa" permite que realizadores possam experimentar filões. “O Caseiro” é um deles. É um produto essencialmente nacional que utiliza, como escolha, o terror-suspense. A trama dirigida e roteirizada por Julio Santi (de “O Circo da Noite”, e em seu segundo filme), e com produção maciça de Bruno Garcia (produtor associado e também o próprio protagonista - cuja informação aguça nossa percepção questionadora de acreditar no aumento da autoralidade e desvio da zona de conforto comum) usa e abusa de todos as características dominantes que são pertinentes neste estilo. Com ectoplasmas personificados, atmosfera à moda do clássico cultuado “Sexto Sentido”, de M. Night Shyamalan, o longa-metragem caminha pela “psicologia do sobrenatural”, analisando o possíveis traumas-truques disfuncionais da mente e a verdade propriamente dita (que como consequência pode construir psicopatia inexplicável). Até que ponto é imaginário, loucura ou realidade? Toda essa propositada confusão é conduzida com uma precisão digna do escritor de “O Iluminado”, Stephen King. A história é um estudo de caso de um professor acadêmico desconfiado, Davi, em provar o ceticismo das aparições sobrenaturais pela psicanálise (que lembra, coincidentemente, em muito, o novo filme “Personal Shopper”, de Olivier Assayas, que integrou a competição oficial do Festival de Cannes 2016), cujo livro que escreveu dialoga com um novo caso que desperta sua atenção. Após anos sem atender pacientes, ele viaja para o interior buscando investigar a história de um homem que acredita que sua filha vem sendo assombrada pelo fantasma do antigo caseiro de sua propriedade, que se suicidou. E assim, entre sustos, tensões, manipulações sensoriais, reviravoltas tangenciais e a iminência do perigo de que todos possam ser o “vilão" maniqueísta, “O Caseiro”, ainda que corrobore os gatilhos intrínsecos do gênero optado, encontra seu lugar e sua unicidade conceitual, talvez este por detalhar o ambiente (“forrando a cama para que o público deite e seja imerso na cumplicidade abordada"). Aqui, a possibilidade de obviedade das causas é o que conduz o espectador a acreditar que talvez certas imaginações possam realmente existir. “O Caseiro” é o eterno embate entre a razão e o sincretismo religioso da fé incondicional, pelo viés da antropologia popular comportamental. E ainda que com todas as fragilidades dos artifícios utilizados (anti-naturalismo em alguns diálogos, trilha-sonora de efeito que potencializa demais o suspense, a falta de ritmo em resolver os próprios desdobramentos construídos), o filme é sim, recomendado, principalmente pela aura à moda de “A Bruxa”, de Robert Eggers e pela direção de arte que cria o bucolismo ruralista-simbólico da crença popular por um tempo paralelo, que se suspende e que pode retro-alimentar a co-dependência mental de aprisionamento nas próprias loucuras “fantasmas" internas.