Crítica: O Outro Lado do Paraíso

Por Fabricio Duque

“O Outro Lado do Paraíso”, de André Ristum (de "Meu País"), exibido no Festival do Rio 2014, apresenta-se como um apólogo da esperança, porque ilustra um ensinamento moral quase parábola de vida por situações semelhantes às reais. Baseado no conto homônimo de Luiz Fernando Emediato (publicado em 1981), o filme aborda a influência na família (especialmente a fase de crescimento de seu filho, o protagonista) do sonho fundamentalista, extremamente religioso, utópico e sonhador de seu intenso e passional patriarca, que vislumbra em Brasília o “paraíso” do sucesso e do “progresso” (a nostalgia de um tempo parado e pausado). A narrativa acontece no ano de 1963 em Minas Gerais, e deseja mostrar a “chegada e saída como um vento” da loucura de se extremar a obsessão e a loucura pensante. O pai conta “causos” a seu filho, suaviando acontecimentos e tragédias à moda de “A Vida é Bela”, de Roberto Benigni. O filme inicia-se em estrutura novelada, resumindo e ambientando a história em quadrinhos com uma narração de estilo campanha política. Aos poucos, quando a trama é desenvolvida, essa suavização dá lugar ao aprofundamento sinestésico. O espectador vivencia na própria “pele” os dramas, dificuldades, preconceitos, arrogâncias, sobrevivências, anseios, fracassos, liberdades, perdas e medos, e acima de tudo, a empolgação incondicional e o entusiasmo desmedido de seus personagens, entre imagens de arquivo histórico-documental (que “casam” perfeitamente e ritmadas, inclusive inéditas do golpe de 1964, registradas pelo cinegrafista Jean Mazon) de uma cidade em construção e a música saudosista, também esperançoso, de Milton Nascimento. A parte técnica, em especial sua trilha-sonora, tem a maestria da força e da energia para conduzir equilibradamente o conto de uma vida privada que nada mais busca que a simples e plena esperança da “justa distribuição de nossos recursos”. O protagonista mirim, o filho, percebe-se, quase obrigatoriamente, tendo que entender o mundo como um homem. É a metáfora do crescimento e de sua transmutação em adulto-responsável (deixando assim o abstrato do querer para viver a concretude do praticismo necessário) por uma ingenuidade verdadeira, por uma ambientação romanceada e por uma “fofa” cumplicidade. O “sonho” da terra prometida é massificado pela televisão, pelo presidente João Goulart e pela ampla oferta de emprego. Assim, Antônio (o ator Eduardo Moscovis), que faz o que pode para conseguir dinheiro ao sustento do lar, muda-se à capital com a esposa e os filhos. O sonho da prosperidade, no entanto, é interrompido pelo golpe militar e ele, quase uma fábula Santo Cristo da música “Faroeste Caboclo” da Legião Urbana, envolvido com o sindicalismo, começa a viver um pesadelo. “O preço chega a doer no bolso”, diz-se. Mas toda glória e congratulações vão à interpretação naturalista, perspicaz, sutil, que lembra em muito a estrutura de “Meu Pé de Laranja Lima” (de Marcos Bernstein) do protagonista mirim Nando, o irretocável Davi Galdeano, que é tâo espontâneo em encarnar seu papel que não percebemos sua encenação. “Para de pensar errado, Evilah é história para criança”, diz-se. Aqui, percebemos uma inversão das figuras sociais. Pais que agem como crianças e crianças que se comportam com realismo resiliente. É um filme de ideias, de nostalgias esperançosas, de usar a utopia “permitida”, por Karl Marx e seu “O Capital”, e ou por Cleópatra, e ou por Rita Pavone, a fim de transmitir uma emoção mitigada de clichês e ou gatilhos comuns. Como foi dito, o espectador sente a dor, sente a escuridão do personagem, sente as “pessoas deixadas pelo caminho”, sente o “discernimento resignado” e sente que “sem os sonhos, ele parecia menor”. Concluindo, um filme que finaliza a mensagem de nunca deixar de sonhar e nunca, em hipótese alguma, perder a esperança. E sem momento nenhum reverberando pieguices, obviedades e sentimentalismos baratos. Um longa-metragem preciso, obrigatório e muito atual a nossa vivência em dias presentes. Recomendado.