Crítica: Truman

Por Fabricio Duque

“Truman” poderia ser mais um filme sentimental de gênero doença-terminal (à moda de “Lado a Lado”, de Chris Columbus), se não fosse sua nacionalidade tipicamente argentina-espanhola (a quem diga que tem um que de Pedro Almodóvar) e seu ator Ricardo Darín, que mais uma vez está irretocável ao “encarnar” dores, perdas, frustrações, arrependimentos, ciúmes, medos, decisões, redenções e remissões por emoções contidas, sutis, espontâneas e de intimidade idiossincrática, esta que envolve o espectador no drama de um “dono que vai falecer” e necessita libertar passado (o revisitando), se despedir, para que assim possa sentir-se livre à “viagem”. O longa-metragem, dirigido por Cesc Gay (o espanhol Francesc Gay i Puig de “O Que os Homens Falam”), e exibido no Festival do Rio 2015, ambienta-se pela música, mesclando tango, fado, Astor Piazzolla (Live in Toquio) e a la Caetano Venoso com Jorge Drexler. A narrativa espirituosa, de naturalidade perspicaz, de humor cúmplice (ingênuo, agressivo, defensivo e característico de sua cultura – de picardia de um confronto “respeitoso”), e deseja a sinestesia de quem assiste pela estrutura de “descobertas” e pelas reações psicossomáticas, inclusive a “terapia animal” Truman, o protagonista cachorro. O protagonista “humano” (“uma espécie em extinção”) decide passar o tempo aproveitando os últimos momentos e encontrar um “novo lar” a seu “filho” canino (um amor incondicional), que está velho. Este “ator em fase terminal” (o ficcional – Prêmio Molière) busca na literatura de autoajuda a transpor escuridão em “amanhecer”, confrontar verdades de “amigos que só visitam” e a se “desapegar de tudo que ama” (a famosa psicologia reversa). É um filme que procura humanizar com “praticidade” a aceitação iminente da morte (até mesmo resolvendo os próprios trâmites da funerária – como escolher o próprio caixão e o destino das cinzas), que tem a vítima “reduzida a pouco”. É um filme sobre reencontros, de não deixar para depois a amizade e a saudade, sobre dois amigos (Javier Cámara e Darín), separados por um “oceano” e que se encontram, lembram os velhos tempos inesquecíveis, assim simplificam a vida, não hesitam e não “pensam nos nãos”, como viajar a Amsterdã para se despedir do filho. “Cada um morre quando pode; ser jovem é o melhor”, diz-se nesta aventura “road-movie” (Madri, Canadá, Paris) existencial, que cria uma reviravolta, uma surpresa no final. Talvez projetar o querer de “terminar um pouco antes”, tudo sem a presença de gatilhos comuns clichês, apenas a emoção real, coloquial, natural, e que faz com o que público não “segure” lágrimas. Concluindo, um filme (um “show argentino de Truman”) que procura a sutileza e encontra a espontânea nua, plena, livre e altamente libertadora em seu “acerto de contas” com a existência. “Truman” foi o grande vencedor do prêmio Goya 2016, o Oscar espanhol. Indicado em seis categorias levou cinco prêmios: Melhor Filme, Diretor, Roteiro Original, Ator e Coadjuvante. Recomendado.