Crítica: A Paixão de JL

Por Fabricio Duque

É indiscutível a maestria do documentarista Carlos Nader (de “Homem Comum”, “Eduardo Coutinho, 7 de Outubro”) de construir histórias-personagens pelo hibridismo de suavizar a realidade com a poesia-sinestesia, imergindo o espectador em sensações-ectoplasmas-cósmicas de psicodelia-existencial que afetam nossa afeição-intimidade-proximidade. Ao abordar o tema, o diretor opta por conservar a essência do drama, e assim mitiga todo e qualquer subterfúgio de manipulação pelo viés emocional-sentimental do público. Carlos Nader é um gênio, sem sombras de dúvidas. Em seu mais recente filme, “A Paixão de JL”, título pode ser referenciado ao livro de "A Paixão Segundo G.H”, de Clarice Lispector e ou “A Paixão de Cristo”, este talvez mais bem metaforizado, devido às constantes “provações" do protagonista-homenageado e eternizado para que assim não seja esquecido, conta a trajetória do existir-vida-morte do artista José Leonilson, que começou em 1990 a narrar em fitas cassetes um diário sobre sua vida e os acontecimentos no Brasil e no mundo, como a queda do Muro de Berlim. Inicialmente, sem intenções, os registros tomam outra urgência quando ele descobre que é portador do HIV. E aí que a escolha do nome do filme torna-se mais concreta-visível, porque é uma representação da maior paixão dele: a arte. A narrativa mescla as narrações (que por serem diários gravados alcançam a máxima não pretensiosa e não mascarada de se comportarem como documentos dotados de verdade-passional, como uma terapia-confissão sem tabus - relacionamentos, os encontros sexuais e românticos com outros homens, medos, angústias, fracassos, efeitos dos remédios, depressões, tristezas, apatia, euforia - que liberta, salva e faz com que a força-esperança renasça) com as obras, desenhos e acontecimentos externos-históricos de José, inferindo ao filme-biografia “Blue”, de Derek Jarman, tendo apenas uma tela azul. Aqui, “viaja-se” pelo universo individual-subjetivo de um ser humano, com suas falhas, qualidades, particularidades, excentricidades, idiossincrasias, desejos, orgulhos, passividade, confrontamento entre quereres e esperas. É impossível o espectador sair imune e sem lágrimas, porque quando o humanizamos, deixamos para trás as causas, culpas, “erros”, vícios, instintos, derrapadas do protagonista, e só nos preocupamos que sua vida é única e importante demais para ser interrompida. Nós nos questionamos sobre a "maquinaria" do universo e somos confrontados a conversar internamente sobre os mandamentos divinos e sobre o “livre arbítrio” que cada ser humano possui, neste caso, a interrupção dos remédios, que “retardam" a morte com sobre-vidas, mas que causam devastadores efeitos colaterais. O material de “A Paixão de JL” foi “despertado" pelo diretor vinte anos depois e traduz José por ele mesmo, em uma intimista digressão-reflexão-criação. O documentário é uma obra-de-arte. Mais uma de Carlos Nader, que imprime sutileza, simplicidade e emoção naturalista, tudo na medida certa, precisa e de forma irretocável. Altamente recomendado.