Crítica: A Luneta do Tempo

Por Fabricio Duque

Antes de mais nada precisamos estabelecer que "A Luneta do Tempo” é um filme exponencialmente conceitual de elevada autoralidade “apaixonada demais" de seu músico-cantor e diretor estreante Alceu Valença, que levou quatorze anos para começar. Assistido no Festival do Rio 2014, o longa-metragem “musical do cangaço”, que iniciou sua produção em 2009, sobre Lampião e Maria Bonita, estrelado por um elenco de “peso”, com destaque aos protagonistas Irandhir Santos e Hermila Guedes, gerou discussões acaloradas. Em um humilde-sincero discurso, seu diretor, cujo vídeo o leitor-cinéfilo-espectador pode conferir neste nosso espaço, disse que “foi aprendendo o ofício quando fazia”, informação esta que se representa de forma explícita com a experimentação estética-narrativa da câmera (da já conceituada fotografia de Walter Carvalho - granulada e de luz noturna) próxima, quase em extremo close-up a fim de atestar-radiografar por "a mais b” o talento indiscutível do ator que vivencia e "incorpora" o “rei do cangaço”, criando assim a percepção visual do personagem. A narrativa constrói com fluidez um circo-teatral-alegórico-nostálgico, imprimindo fragmentações cadenciadas visualmente lentas em um contexto de linguagem coloquial (que inclui Napoleão, estrangeiros, perdas pelo caminho, “bálsamo para as feridas da vida", em tocaias do sertão, reverberando a máxima do “dente por dente”). “O amor para ser bonito tem que ter cumplicidade”, diz-se entre o “passado tentando a vingança” e literatura de cordel de “ódio e de amor". É um registro ficcional de uma utopia histórica. Conta-se a experiência de pós morte de Lampião que não aceita (acha) que já morreu. “A vida de fantasma é uma prisão”, alimenta a própria fala poética, libertadora, de ingenuidade-catártica existencial. “A Luneta do Tempo” é uma viagem (menos faroeste e mais guerrilha cangaceira) fantasiosa-realista-onírica de aceitação do passado e preparação ao futuro. Exibido no 42º Festival de Gramado 2014, a sinopse do filme nos conta sobre Lampião (Irandhir Santos), sempre acompanhado por sua amada Maria Bonita (Hermila Guedes), lidera seu bando pelo sertão de Pernambuco, enfrentando a polícia local. Seu principal antagonista é Antero Tenente, que foi abandonado preso e de cabeça pra baixo pelo bando de Lampião. Esta disputa permanece com o passar dos anos, quando o filho de Antero torna-se adulto e não aceita qualquer provocação à imagem do pai ou a simples menção a algo que lembre Lampião e seus cangaceiros. Concluindo, um longa-metragem que inicia um compositor musical no universo cinematográfico, e conservando a criatividade (e a sorte de principiante) consegue a cumplicidade o espectador (o “amor bonito”) com as fragilidades-vulnerabilidades-irregulares do resultado em si. Como foi dito, é apaixonado demais, inflamado demais à moda Glauber Rocha, “lutado" demais em sua brasilidade, e só pela insistência incondicional já vale o ingresso do cinema.