Crítica: Prova de Coragem

Por Fabricio Duque

Já é de se esperar que quando uma adaptação literária é traduzida ao universo cinematográfico há uma grande apreensão na questão fidedignidade. E quando o diretor resolve apenas se inspirar, livremente, na obra de um dos escritores contemporâneos mais queridinhos do momento, o gaúcho Daniel Galera, então, a ansiedade exacerba o pulsar em dose cavalar. A responsabilidade de personificar a estrutura escrita do romance “Mãos de Cavalo" de característica existencialista, depressiva e de libertação “terapia de choque” ao longa-metragem em questão aqui, “Prova de Coragem”, vem do diretor Roberto Gervitz (de “Feliz Ano Velho”, “Jogo Subterrâneo"), que já se mostra um apreciador de filmes-livros, que teve Jorge Duran como colaborador deste roteiro e que tentou arduamente conjugar uma narrativa linear, com poucas lembranças “flashbacks" e de curtas elipses temporais de micro-ações rotineiras. O longa-metragem, logicamente compreensível, necessita da adequação ao universo fílmico, e assim, querendo ou não, há perda da essência estrutural do livro, que é o elemento principal do instante detalhado, o definição intrínseca da naturalidade poética-concretista de suas personagens “que não são reais” (isso avisado logo no início do livro). Em “Prova de Coragem” (título comercial que busca o lado comercial da obra), opta-se pela contemplação silenciosa-sentimental (de dentro para fora). No livro, temos “a voz um pouco rouca, mas ao mesmo tempo tenra e afetada como a de uma apresentadora de programa infantil”; “ninguém deveria ser tratado como uma criança, nem uma criança”; “geografia mutilada”; “eram os primeiros dias de um novo ano, e dentro de cada um ainda havia um resquício da excitação esperançosa, marcada por superstições e resoluções, que marca a inauguração de cada calendário”; entre tantas outras análises, falta aqui a “devastação sísmica”, a “ausência de vibração orgânica” e a força da “abstinência vitalícia” (visto que a bebida é logo aceita e a amizade com Bonobo é apressadamente construída), sem inclusive dizer sobre o sotaque irregular (típico na infância, mas anulado na fase adulta). Não que o filme seja ruim, mas está bem distante do mundo autoral de Daniel Galera, e mesmo com a entrega total de seus atores Armando Babaioff (o protagonista Hermano) e Mariana Ximenez (também uma das produtoras), a atmosfera soa encenada e de verborragia de efeito, quase dramatizada. Concluindo, talvez o autor referenciado seja complexo demais a adaptações. Ou talvez há a necessidade de aprofundar o existencialismo, buscando mais o submundo-“estragado" de cada ser humano que a palatável tradução superficial da depressão melancólica latente em cada um de nós. Como disse, não é ruim, mas é outro filme.