Crítica: Para Minha Amada Morta

Por Fabricio Duque 

Talvez nós espectadores tenhamos que seguir as máximas populares do “menos é mais” e de a pessoa já nasce com talento e que quanto maior a dificuldade financeira, maior a criatividade. Sim. Definitivamente temos. “Para Minha Amada Morta” é um exemplo concreto e indiscutível dessas linhas iniciais, corroborando a competência de seu diretor Aly Muritiba (dos curtas-metragens “O Pátio”, “Tarântula”, e do longa documentário “A Gente”, “Circular”, “A Fábrica"), que cada vez assume mais sua veia autoral com particularidades de prender quem assiste a suas investidas de “thriller" psicológico de existencialismo catártico-impulsivo-pessoal, utilizando-se da terapia cognitiva do choque para resolver, de uma vez por todas, pendências sentimentais-depressivas de acontecimentos traumáticos e impossibilitados de recomeços. O longa-metragem em questão aqui imprime no processo de “cura" do protagonista do fotógrafo policial Fernando (Fernando Alves Pinto - que está excelente no papel pela interpretação metódica, contida, cirúrgica e de caos sistemático), que após a morte de sua esposa, vive cercado de objetos pessoais dela, até descobrir, em uma fita VHS, uma surpresa que coloca em dúvida o amor da esposa por ele, assim, de forma obsessiva, até porque seu próprio meio cria esta característica idiossincrasia, decide investigar a verdade, alimentando nas ações de seu dia-a-dia um “personagem" infiltrado. Sua rotina, descaradamente e explícita “fuga" da própria realidade, reverbera a continuidade da desesperada sensação da vingança, tornando-se um “ator" de si mesmo em um “campo” da própria fobia desconhecida e passional. O roteiro, também do próprio diretor, constrói aos poucos a surpresa, visto que as reviravoltas e as decisões do protagonista são fragilizadas pelos próprios sentimentos não esperados. “Para Minha Amada Morta” busca devastar a necropsia da alma, permitindo surreais e infinitos pensamentos livres do que se pode ou não fazer, ultrapassando a moralidade e a ética social, para assim dominar a virilidade vulnerável de “macho" traído. Fernando escolhe libertar-se pela experiência visceral de “rasgar” a própria vida e “mergulhar" sem limites na dor, na frustração, na raiva, na tristeza, na psicopatia, na revanche, na vontade suicida e assassina para sentir a redenção de continuar aguentando a perpetuação física-viva da própria existência, inclusive se permitindo morar de aluguel nos “fundos" da casa de seu traidor. “Para Minha Amada Morta” desenvolve-se na tensão subjetiva de criação do próprio protagonista, cuja imaginação devastadora, em camadas projetadas e ou elipses interconectadas, explica o "que" didático, formal e errático da rapidez à trama dos elementos indicativos (como conversas que expõem segredos). Trocando em miúdos, Fernando quer destruir tudo para se reconstruir e reconectar sua vida com seu filho único. Quase uma forma de também ajudar seu “vilão” ao confronto guardado, e desta forma libertando mental e psicologicamente todos os envolvidos. O filme venceu o Festival de Cinema Mundial de Montreal e foi premiado em sete categorias do Festival de Brasília 2015 (Melhor Filme, Melhor Direção (Aly Muritiba), Melhor Ator Coadjuvante (Lourinelson Vladmir), Melhor Atriz Coadjuvante (Giuly Biancato), Melhor Fotografia (Pablo Baião), Melhor Direção de Arte (Monica Palazzo) e Melhor Montagem (João Menna Barreto)). Recomendado.