Crítica: Mais Do Que Eu Possa Me Reconhecer

Por Fabricio Duque

O cineasta português Miguel Gomes, que está em cartaz nos cinemas com “Mil e Uma Noites” disse que o mais importante no cinema é a história, e que qualquer uma que seja tem sua importância. Sim. Partindo desta ideia, o diretor carioca Allan Ribeiro, que já tem como característica marcante o gênero experimental, imprime em seu mais recente filme “Mais Do Que Eu Possa Me Reconhecer”, que foi traduzido ao inglês com o excepcional e de resumo definitivo “Além do Reflexo”, sobre a “solidão" do artista plástico Darel Valença Lins, um jogo de cena em movimento de interatividade midiática-hermenêutica. A narrativa não se impõe, pelo contrário, busca-se a adaptação ao meio “estudado”, fazendo com que o caminho seja conduzido pelas opiniões e idiossincrasias de seu personagem principal. Um tipo “figurado”, carente, talvez pelo tédio da velhice, que filma “o que aparece aleatoriamente”. Assim, a edição “absorve" a própria antropologia visual, “aceitando" o irregular, o instante, o momento da elipse, e se equilibra, propositalmente, com leveza, liberdade e despretensão na estrutura amadora de seu material. O filme é dividido em cenas-capítulos, mesclando referências que encontram a cineasta belga Chantal Akerman; o filme “Laura”, de Fellipe Barbosa; o realizador português Manoel de Oliveira; e um que do cineasta da Lituânia, Jonas Mekas, complementado pela música clássica quase alegórica-espetaculosa que possui um efeito de confronto entre a realidade e a projeção. Cada vez a estética caseira influencia mais a arte cinematográfica, simplificando e facilitando a predileção pelo conteúdo cru, desprovido de gatilhos comuns e ilusões pirotécnicas. Aqui, a “questão principal é a solidão” de nosso protagonista (meio surdo, antiquado e resistente às novas tecnologias), um indivíduo que vivencia seu universo de visão particular e unilateral sobre como gravar e como montar um filme, “ensinando" o subjetivismo da melhor (e única) forma de se “colocar o som depois”. “Mais Do Que Eu Possa Me Reconhecer” representa uma oportunidade terapêutica ao “homenageado" de fazer um balanço da própria vida, de lidar com a morte já aceita (“Morrer também é bom”). “Não faz sentido Deus me fazer assim e depois me castigar”, diz-se. O Sr. Darel filma tudo, personificando objetos (e personagens “juditianas" dos quadros que pinta), que ganham vida e podem até “voar”. O longa-metragem quer transpassar essa solidão deste artista (fascinado pela arte) em oitocentos metros quadrados, em que o espelho já não lhe basta e que descobre na videoarte uma companheira inseparável. Quase tudo em sua vida é analógico. A televisão de tubo. O vídeo-cassete. E pensa. O tempo todo (“Uma filmadora digital é uma máquina de garoto. Não é profissional não”). O respeito é o elemento máximo, principalmente por “juntar” este em questão aqui com os filmes de Darel, reverberando “duas formas de expressão”. “Na minha vida, tudo é arbitrário. Tudo muda”, diz. Concluindo, um filme sobre um ser humano que carrega na própria vida uma história logicamente autoral. “Mais Do Que Eu Possa Me Reconhecer” só tem um adverso: é curto em sua duração. Recebeu o Prêmio da Crítica da Mostra Aurora (troféu barroco)  e o Prêmio Itamaraty. Darel Valença Lins nasceu em Pernambuco, mas mudou-se para o Rio de Janeiro em 1946, onde vive até hoje. Um de seus trabalhos mais famosos como pintor é a famosa série de desenhos "Mulheres de Darel”. Após completar 80 anos, o artista plástico Darel Valença começou a fazer videoartes, ou seja, documentar o seu trabalho. Essas gravações foram em parte utilizadas no filme. Recomendado. Será exibido na VII Semana dos Realizadores 2015, amanhã, na abertura, dia 18 de novembro, sessão para convidados e no dia seguinte, às 15h no Espaço Itaú de Cinema. Não Perca!