Crítica: Francofonia - O Louvre Sob Ocupação

Por Fabricio Duque

O que faz um cineasta conservar a unicidade característica da autoralidade é o querer-desejo de buscar a inovação conceitual, a experimentação da linguagem e o completo abandono da zona de conforto, mitigando o comodismo e galgando superações pessoais. Um desses gênios modernos é o russo Alexander Sokurov (que já mostrou estética diferenciada em “Arca Russa”, filmado em plano sequência em Hermitage, museu localizado às margens do rio Neva em São Petersburgo, Rússia; em “Pai e Filho”, em “Fausto”). Em seu mais recente filme, “Francofonia - O Louvre Sob Ocupação”, para que possamos entender o porquê de sua escolha temática, precisamos conhecer um pouco da biografia do diretor em questão aqui, que é formado em História (e sua paixão por Museus) , mas foi quando começou a cursar produção cinematográfica que sua vida ganhou “status" autoral. Seu primeiro longa-metragem "Voz Solitária de um Homem" foi recusado como projeto final de graduação, e nesse momento, recebe o apoio e a admiração do cineasta-fotógrafo Andrei Tarkovski. Outra característica marcante de Sokurov é sua elevada ideologia política, “acusado" de perspectivas anti-soviéticas. Então, “Francofonia”, híbrido documentário (com representações interpretativas de conjugadas estéticas narrativas), pode ser traduzido como um exercício-estilístico de livre discurso opinativo (de confronto instigador, de sarcasmo alfinetado, de debochada ingenuidade e de dissecação da utopia), por pensar a relação entre arte e poder. Filmado no Museu do Louvre, em Paris, França, o filme questiona o quanto de ensinamento sobre nós mesmos (e nossos intrínsecos-imutáveis comportamentos) podemos captar ao analisar quadros e estátuas históricas, inclusive dos momentos-acontecimentos mais sangrentos do mundo. Inicia-se com a narração de um diretor fictício com os créditos logo na abertura e com fotos “que almejam ganhar vida”. A metalinguagem “une" fantasmas e pinturas; imagens de arquivo e oceano; a conexão da internet que cai e o poeta-escritor Anton Tchekhov. “Todos os franceses são cineastas e fizeram filmes em qualquer situação. O que mais filmar? As pessoas na realidade”, ironiza-se entre fragmentos de Adolf Hitler em Paris, “uma cidade aberta". E complementa com explícita alfinetada: “Um Museu que vale mais que a França inteira. A riqueza humana da Europa”. É uma experiência sensorial ao espectador, com “tomadas ensaístas”, “pessoas do povo”, personagens da História “presos" no passado “monumento”, e mais alfinetadas-picardias: “O Sr. fala alemão?”, “Não, eu sou bem francês”. É um embate geográfico-étnico-nostálgico-saudosista da História da França pelas pessoas, entre a “imponência das tropas” e o escritor russo Liev Tolstói. Aos poucos, nós percebemos a referência do filme do navio e da atualidade. Sem um, seria impossível existir o outro. O Louvre e as “obras por navio”. “A mão cria mais rápido que o pensamento. É mais inteligente que a cabeça”, diz o próprio Alexander Sokurov, que participa de seu próprio pessoal documentário “competidor”. “Todos os museus devem estar preparados para a guerra”, mostra-se Napoleão em um “mula”. “Não se conhece o Louvre”, enaltecendo a grandiosidade dos trabalhos e da quantidade histórica. E em certo momento, tenta “acordar a múmia”. É um longa-metragem que busca contar mais sobre a sobrevivência do Museu na guerra; que confronta fantasmas; e que pode ser apresentado como um delírio, uma imaginação projetada, um sonho do equilíbrio da existência dos acontecimentos “aprisionados” e perpetuados por obras de arte e pela paródia de personagens revisitados. Sim, “Francofonia” é um filme para todos. E não, há um mínimo sequer de desrespeito quando se diz isso. É fato. A própria imprensa e as opiniões quando foi exibido no Festival do Rio de 2015; indicado ao Leão de Ouro da edição 72 do Festival de Veneza; premiado na Fundação Mimmo Rotella e na Federação de Críticos do Cinema Europeu e Mediterrâneo (FEDEORA), simplesmente ama ou odeia. Oito ou oitenta. De nota muito ruim a excelente. Aqui, permanecemos no meio termo. Não podemos negar que o documentário se apresenta curioso e interessante, saindo do comum e corroborando a estrutura conceitual. Suas “caminhadas pelos corredores do Museu”, seus planos estáticos nos quadros, suas personificações de “famosos” na História, sua liberdade em adentrar (e filmar) lugares “raros”, pode sim, definitivamente, valer o ingresso. “Francofonia” funciona como um guia turístico visual com dicas-pontos imperdíveis (e em aula prévia) do Louvre. Há quem ache lento, arrastado, confuso e hermético demais. Há quem vê nestes adjetivos “destrutivos” sua maestria. Concluindo, o longa-metragem, como já foi explicitado, não é fácil, porém, é com certeza, recomendado.