Crítica: Califórnia

Por Fabricio Duque

Com o trecho da música de Lulu Santos, “Garota eu vou pra Califórnia, viver a vida sobre as ondas, vou ser artista de cinema, o meu destino é ser feliz… É muito mais que um sonho”, a diretora estreante em um longa-metragem de ficção, Marina Person, resgata, com sutileza, em “Califórnia", a essência nostálgica dos anos oitenta de São Paulo por uma narrativa sensorial com uma trilha sonora de clássicos icônicos desta época, que busca a imersão do espectador, inicialmente pelo anti-naturalismo característico nos filmes deste passado, que visava menos forma e muito mais conteúdo temático. Aqui, a câmera próxima que acompanha a protagonista (e sua primeira menstruação e seus gostos - David Bowie, Beatles, o ET do filme do Spielberg, o Snoop, o Garfield, a almofada quadriculada), a narração em tom carta-gravação (em fita cassete) ao tio Carlos (“aventureiro" e “exagerado" a La “Cazuza" - o ator Caio Blat) que está no exterior, a troca da festa de quinze anos por uma viagem a Califórnia (mas só aos dezessete anos), a presença constante dos pais em sua criação (ensinando o certo e ou errado e dando um direcionamento), as descobertas (da complexidade do mundo ao redor - homossexualidade, bissexualidade - “nem tudo pode ser pra lá, nem pra cá", liberdade sexual, a “sogra" hippie, o preconceito e a Aids - estimulando o medo do sexo e a confiança), a primeira “transa", o universo respeitosa da escola, o novo integrante “estranho" na classe de aula (de olho pintado, meio Robert Smith do “The Cure”, meio francês, meio Louis Garrel) - que gera “fofocas" sobre porquê de sua mudança ao novo lugar, o sofrimento como se “não houvesse amanhã”, a simpatia para “segurar" o "namoradinho" pela empregada da família (a atriz Gilda Nomacce sendo sempre a excelente Gilda Nomacce, a nossa “The Nanny”), as conversas com as amigas por telefone fixo, o pai que leva de carro à festa, popes - “a droga do amor”, “o regime do abacaxi”, a ausência das redes sociais, tudo reverbera uma simplicidade, uma inocência, uma pureza de “transgressão careta” e um tempo que não corria (e que agora está “perdido” por uma pressa contemporânea ininteligível). “Quanto mais apaixonada, mais ataque de bobeira”, diz-se. É inevitável não lembrarmos de “Hoje Eu Quero Voltar Sozinho”, de Daniel Ribeiro, não especificamente por seu tema, e sim por sua estrutura cinematográfica. É inquestionável não ficarmos saudosistas, principalmente pelo poster de "Blood Simple" dos Irmãos Cohen (diretores que estavam começando) e pela sucessão de músicas que fizeram história (e que geram memórias). Há “Você não Soube Me Amar”, “Beat acelerado”, Britz, Kid Abelha, Metrô, The Cure, Joy Division, R.E.M, Kraftwerk, New Order, The Smiths etc. O novo amigo “estranho" apresenta “O Estrangeiro”, de Albert Camus, “Feliz Ano Velho”, de Marcelo Rubens Paiva, “On The Road”, de Jack Kerouac, enfim, todos os fragmentos vivenciados de uma época. Concluindo, um filme despretensioso que aprofunda questões passadas com naturalidade suavizada de estética minimalista, ingênua e característica da época. Recomendado. O filme concorre ao Troféu Redentor de Melhor Longa-Metragem no Festival do Rio 2015.