Crítica: Love 3D

Por Fabricio Duque
Direto do Festival de Cannes 2015

Durante a trajetória do Festival de Cannes, inegavelmente, quando vai chegando ao final da maratona, a tendência é “meter o pé na jaca". Não há como perder o novo filme, também polêmico, do diretor argentino “enfant terrible" Gaspar Noé (que já “chocou" este Festival com “Irreversível”), “Love”, em 3D, uma ode ao amor “pseudo" livre. A sessão de Gala, concorridíssima, marcada para meia-noite e quinze, começou quase uma hora da madrugada com praticamente toda a equipe. Garanto que todo espectador, carola ou não, “pudico" ou não, já pensou "e se filmasse um filme pornográfico em 3D com qualidade?". Gaspar Noé fez, com todas as características marcantes de sua cinematografia e com todas as epifanias existencialistas, traduzidas por uma câmera quase microscópica, que “viaja" na psicodelia personificada dos efeitos durante o uso dos psicotrópicos, elemento presente e recorrente em seus filmes. Há quem diga que “Love" não é mais novidade, devido ao filme, apresentado há quatro anos, produzido e filmado em Hong Kong, “3D Sex & Zen: Extreme Ecstasy”, uma adaptação para as telonas de um conto clássico da literatura local, e que bateu recordes no país, “desbancando" o primeiro lugar até mesmo de “Avatar”, de James Cameron. A “obra" chinesa foi o primeiro filme pornô a usar câmeras "estereoscópicas" (mesma usada em Avatar – a fim de garantir “maior realismo” nas cenas. Aqui, a história “muda de figura”. “Love”, coproduzido pelo brasileiro Rodrigo Teixeira, da RT Features, representa o primeiro filme pornográfico a passar no Festival de Cannes. Talvez, só por essa fator, já tenha se transformado em Cult, transcendendo a barreira do “sexo" gratuito. “O filme é sobre estar apaixonado do ponto de vista do sexo”, “Vendi o projeto como um filme ‘melopornográfico’", disse o diretor na coletiva de imprensa. Gaspar Noé corrobora sua característica principal: a “viagem" de sua câmera “interna" e sua fotografia estilizada, criando no espectador a sinestesia do momento (emoção, desejo, “tesão”, naturalidade do relacionamento amoroso, penetrações explícitas e ejaculações que “esporram" na tela, “engravidando" o olhar de quem assiste). Não há como não referenciar o filme “9 Canções”, do diretor britânico Michael Winterbotton. Talvez este seja o “parente" mais próximo do longa-metragem em questão aqui. O roteiro de “Love”, com apenas sete páginas (confessado pela diretor), é quase “mamão com açúcar", por abordar a vida de Murphy (Karl Glusman), que está "entediado" ao lado da mulher (Klara Kristin) e do filho. Um dia, ele recebe um telefonema da mãe de sua ex-namorada, Electra (Aomi Muyock), que está desaparecida há meses. A ligação “reverbera" a nostalgia do relacionamento “poliamor" que tiveram e do motivo de sua irritabilidade. Mas é a forma que se conta a história que gera a surpresa-curiosa-genial-inventiva. A narrativa, de “sexo real e racional”, não linear, concretiza os pensamentos do personagem em uma narração verborrágica, descontínua, confusa, indecisa. O filme está na mente do protagonista, captando telepaticamente a verdade “sincera" e mitigando as mentiras “mascaradas" e secretas que cada um “teima" em esconder. Definitivamente, só mesmo Gaspar Noé para conduzir camadas atmosféricas dentro de outras atmosferas, ora real, ora fantasiosa, ora sonhada, ora projetada, ora imaginada, ora desesperada. Um dos pontos mais engraçados são as “tiradas autosacanas metalinguísticas", como por exemplo o nome do próprio diretor que “batiza" personagens. “Love" é um filme de momentos, que subverte pelo erotismo cotidiano, de poesia visual, de ângulos não convencionais, de ritmo cadenciado, e inevitavelmente, de estética pretensiosa, altamente prepotente no objetivo, porém estas duas ultimas definições que poderiam ser depreciativas, assumem o inverso, marcando o exato equilíbrio do conteúdo versus gratuidade. Recomendado.
Realizada inicialmente em 22/05/2015 e complementada em 26/08/2015.