Por Fabricio Duque
É com muita satisfação que
podemos “olhar” de forma inteligente e agradável “Gemma Bovary – A Vida Imita a
Arte”, da diretora Anne Fontaine (de "Nathalie X", "Coco Antes
de Chanel", "A Garota de Mônaco") com outros olhos, visto a
“enxurrada” de novos filmes franceses que tentam “descaradamente” repetir
fórmulas já ultrapassadas da cinematografia hollywoodiana. Nós sabemos que há
uma “unificação” mundial que busca a padronização da linguagem, principalmente
pela influência televisiva, que “usa e abusa” da edição em videoclipe,
mitigando silêncios e possíveis subentendimentos do espectador. Aqui, a
literatura clássica de “Madame Bovary”, a obra-prima de Gustave Flaubert
(1821-1880), “assalta” a contemporaneidade (nostálgica), que é transpassada por
uma narrativa de sutis detalhes atemporais (que se “desconectam” por músicas
atuais) . O humor francês típico (e “ranzinza”) de suas opiniões verdadeiras e
“sem papas na língua” também é corroborado (“parisienses chatos”, “equilíbrio e
tranquilidade já eram”, “os ingleses não matam os outros, são educados
demais”). A estrutura busca propositalmente o universo teatralizado dos
cenários estúdios (e suas gruas que percorrem caminhos como personagens) e
romanceado (pelo diário da personagem principal Gemma, por exemplo, uma mulher
entediada). A história é encenada, por “estímulos” pensativos adjetivados
(analisando personalidade e comportamento, sem os julgar – com uma perspicácia
sem tabus) das percepções de outro personagem, um padeiro que vê semelhante
entre o livro clássico e as novidades que acontecem em sua “realidade” (ações
quase em tempo pausado). Entre um casal francês conhecendo os novos moradores
(“imigrantes gastronômicos”, que vieram “por causa do vinho”) ingleses e acenos
singelos, acabou-se “com dez anos de tranquilidade sexual”. A “obsessão” ganha “vida”. A câmera aproxima
detalhes, traduzindo sensualidades naturais, bucolismo relaxante, ioga mágica e
humildade “como o trigo”. O roteiro objetiva confundir arquétipos, analogias e
paralelos com o “instinto dos cães” para fazer com que o espectador descubra junto
com o personagem os erros e acertos. O ponto alto do filme, como sempre, em
bons exemplos franceses, é o discurso (“Palavra socialista obscena”; “Uma
gueixa que passou muito tempo em Miami”, “O curry vai detonar o intestino dos
franceses”). Há um estrangeirismo se adaptando a novas culturas e
possibilidades de existências. Tudo é minimalista, autêntico e cria a
sinestesia da emoção à flor da pele quando “quer porque quer” aceitar a ideia
de que a história da vida privada real é exatamente a mesma do livro favorito
do “narrador personagem”, que ficou “chocado” ao lê-lo aos dezesseis anos.
Assim, o “obcecado” comporta-se, de forma metalinguística, como um diretor de
um filme, alterando “roteiros” imaginários, participando da história e se
transportando à trama “deturpada”. É inevitável não referenciar a “Dentro de
Casa”, do cineasta François Ozón, por causa da próxima estrutura
cinematográfica narrativa, tampouco ao escritor Machado de Assis (Gemma Bovary
trai ou não trai?). “A vida imita a arte”, diz-se, entre inúmeros detalhes
incluídos que criam a “ponte” entre um universo a outro. Concluindo, o filme
acredita fielmente na inteligência de quem assiste, provando-se assim, por ‘a
mais b’, um clássico exemplo da cinematografia francesa, e muito se deve pelo
excelente ator Fabrice Luchini (sempre
impecável de “As Mulheres do Sexto Andar”, “Dentro de Casa”, “Potiche – Esposa
Troféu”) e por “continuar” (“seis meses depois”) com a “piada” ao “renovar” com
“novos vizinhos”. Tudo recomeça. Só que agora na Rússia. Definitivamente, temos
aqui um “tarado” dos romances. Recomendado.