Crítica: Corrente do Mal

Por Fabricio Duque

Um dos objetivos da arte cinematográfica é possibilitar contar uma história de outras formas já experimentadas, fazendo com que a referência exista sim, porém, sem copiá-la por completo. “Corrente do Mal”, traduzido do “It Follows”, que pode ser traduzido literalmente como “coisa que segue” é muito mais que um filme de terror tradicional, visto que a narrativa opta pela metáfora de um dos males mais “presentes" do mundo moderno: a aids. Aqui, exterioriza, em tom de suspense, o medo e os “monstros” sintomáticos da doença, que vez e mais atingem a “invencibilidade" dos jovens que estão no ápice de suas descobertas e experiências sexuais (e que por “amor" incondicional ao objeto desejado, entregam-se sem ressalvas e ou proteções). O longa-metragem, dirigido pelo americano David Robert Mitchell (de ”The Myth of the American Sleepover”, sobre jovens que vivem o verão no subúrbio), personifica a loucura alucinógena confundindo realidade, fantasia, a iminência “vulnerável" da morte (à moda “Premonição" - já que não podem “vencer”, a menos que “perpetuem" o mal, como uma roleta russa para que “passem adiante” os distúrbios inerentes da nova condição, a fim de “tirarem" suas atenções. Não há como negar a intenção de seu diretor quando “escolhe" a ambiência de seu filme, que é “invocar" um “coquetel" de diversos conceituados cineastas, mesclando na narrativa David Lynch (de “Twin Peaks” e “Cidade dos Sonhos"), Larry Clark (de “Kids" e “Ken Park"), Gus van Sant (de “Elefante”) e Nicolas Winding Refn (de “Drive”). O tema abordado não é explicito, e sim indutivo aos poucos, por detalhes (em elipses), como as pílulas no banheiro de uma casa abandonada e ou a “escolha" de transmitir ou não a “morte” (querer “consensual”) e ou pelo poema que o professor de Inglês de Jay lê em voz alta (“A Canção de Amor de J. Alfred Prufrock", de TS Eliot), que fornece inferências ao filme em questão. “Corrente do Mal”, que foi exibido no Festival de Cannes e no Festival do Rio 2014, estreia agora nos cinemas, com o fato inédito de estar fora do circuito dos cinemas da Zona Sul. A sinopse conta que a jovem Jay (Maika Monroe, de “Refém da Paixão” e “Bling Ring") leva uma vida comum entre escola, “pais ausentes”, paqueras, passeios no lago e dúvidas existenciais “esperadas" da idade. Quando transa, o garoto com quem passou a noite explica que ele carregava no corpo uma força maligna, transmissível às pessoas apenas pelo sexo. Enquanto vive o dilema de carregar a sina ou passá-la adiante, a jovem começa a ser perseguida por figuras estranhas que tentam matá-la e não são vistas por mais ninguém. “Corrente do Mal” “foge" dos gatilhos comuns do gênero ao “ampliar" a percepção editada, com poucos cortes e câmeras que passeiam entre o subjetivismo e o tempo real dos acontecimentos. Logicamente que sustos e manipulações foram usadas com o intuito de preservar a essência objetivada, contanto sem excessos e ou hipérboles comerciais. Um filme que merece ser visto. Honesto, despretensioso, inovador, determinado, quase experimental. Recomendado.