Por Fabricio Duque
“Dois Casamentos”, o mais
recente filme do cineasta “maldito” Luiz Rosemberg Filho, com sua peculiar
estrutura cinematográfica de utilizar colagens, técnica esta a fim de “dar voz”
as suas críticas, apresenta-se como sua obra mais linear. O longa-metragem, também
roteirizado pelo diretor, tem o objetivo de imergir o espectador no lirismo
poético de viés coloquial pela teatralização física dos elementos. Aqui, o
universo de Samuel Beckett mistura-se ao de Peter Greenaway, sem exacerbar copiadas
referências, mas sim indicar um posicionamento de uma paralela confusão,
proposital, para personificar dúvidas, anseios, medos, projeções,
possibilidades, liberdades, amarras, decisões, resignações, catarses e humores
nervosos das duas personagens em cena, as atrizes Patricia Niedermeier e Ana
Abbott, que se entregam com tamanho desprendimento e visceral descontrole de
interpretação incisiva, que somos confrontados nos limites tênues da realidade
amadora da terapia cognitiva “presenteada” e da presença apoteótica do texto dominante.
O caos vivenciado as liberta como explosões da alma, por monólogos afobados,
doloridos, pragmáticos, agressivos, vitimados, atacados, “assistindo” na outra
um espelho da verdade medicamentosa contra a iminente loucura de uma vida
vazia, tediosa, massificada e de alienação hipócrita, aceitável e doentia. São
duas noivas, que esperam, em uma sala da igreja, seus casamentos começarem. A
ansiedade típica, intrínseca e necessária não é sentida, pelo contrário, agem
como fantasmas, em um horror existencial, em uma indiferença brutal.
Enfrentam-se, desesperam-se, experimentam opções para que assim possam “sobreviver” ao futuro imposto por regras definidoras e não flexíveis de uma sociedade perdida. Elas resolvem “aproveitar”
cada segundo de suas liberdades, entre silêncios, gritos, agressividades e
choros libertários, refletindo sem pudores e controles sociais sobre suas
relações e vidas. “Dois Casamentos” objetiva também outra maestria: a parte
técnica – principalmente pela fotografia de Vinicius Brum, que fornece a aura
de “trazer” luz às epifanias lúdicas. São molduras atemporais, com
danças intimistas e trilha sonora sensorial (convidando quem assiste a
participar), e sem insinuar sexualidades ou afins. É tudo sobre o afeto,
respeitando a diferença. Seria muito óbvio e cômodo rotulá-las apenas com o
desejo carnal (vide o filme “Telma e Louise”). Não. Em hipótese alguma. As duas
são instrumentos de salvação de cada uma delas, entorpecendo-se com a
felicidade incondicional de finalmente não serem nada. Na verdade, as noivas complementam os próprios
egos e quereres, tornando-se uma, despindo-se dos “não(s)” (e da necessidade do
“capital”), atingindo o Nirvana (pela câmera que se deixa levar sem cortes e
sem preocupações de excessos e ou padrões cinematográficos) e representando todo um imaginário “programado”
com doutrinas nunca antes questionadas. Concluindo, uma pequena obra de arte,
de curta duração, de equilibrada literatura visual, de um autor apaixonado por
seu ofício. Recomendado. Definitivamente, a grande estreia da semana e grande lançamento da Cavideo e Livres Filmes.