Crítica: Sangue Azul

Por Fabricio Duque

“Sangue Azul”, novo filme do diretor pernambucano Lírio Ferreira (de “Baile Perfumado”, “Árido Movie”, “O Homem Que Engarrafava Nuvens”), é filmado em película, dez anos depois de sua última ficção, e foi exibido nos festivais de Paulínia 2014, ganhando os prêmios de melhor fotografia e melhor figurino, do Troféu Redentor de Melhor Filme no Festival do Rio 2014 e no longa-metragem de abertura da mostra Panorama no Festival de Berlim 2015. O longa-metragem corrobora a característica principal de seu cineasta “geográfico”, que é personificar o elemento simples, trazendo à superfície a atmosfera lúdica pelo popular e pela fantasia do universo circense, criando a fábula do amor (ou da “impossibilidade do amor”) libertário, sem tabu e preconceito presente na alma de todo e qualquer ser humano. Aqui, a fotografia ora preto-e-branco de nostalgia ‘noir’, ora de saturação estilizada ao brilho do sol, ora colorida – principalmente pelo “fetiche” de corpos oleosos e suados – enaltece a ilha de Fernando de Noronha, iniciada com uma narração empolgada. A história é contada por capítulos: “O Homem Bala”, “Insônia”, “Infância”, “Angústia” e o epílogo “A Lenda do Pecado”, e assim desenvolve “escancaradas preguiças”, apresentações do circo, existencialismos presentes, causas passadas, fragatas, pescadores, projeções ao futuro, com uma intermitente insinuação sexual de realismo teatral. Quando a cor acontece, tenta-se a naturalidade, principalmente ao inserir, de propósito amador, as ações interpretativas do povo local, gerando um toque documental. Entre “Não gosto de nada que é oferecido”, um Pereio com seu típico deboche fingido, que recebe um beijo na boca do “Homem mais forte do mundo”, “Sangue Azul” busca também a metalinguagem, falando que “o cinema nasceu no circo”, de “Marlon Brando”, e que “a natureza do cinema era o sonho”. Sonhos e desejos são questionados, terapeuticamente (“só o risco e a dúvida me colocam em movimento”), em metáforas (uma ilha dentro de uma ilha) e em momentos fragmentados de colagem estética, que representa a “luta” para se conseguir “deixar a vida da ilha”, lembrando “A Praia”, de Danny Boyle. O tom novelesco é inquestionável, oscilando entre a naturalidade poética (do balé – coreografado por Deborah Colker – e da câmera subaquática, hiperdimensionado pelo próprio cenário paradisíaco do local), a caricatura, a disritmia linguística (inglês, francês), o misticismo apelativo, o melodrama (o choro exagerado), a “sensibilidade da pérola do Caribe” e a de encarar a câmera e andar. É um filme passional, de possível tema polêmico (o incesto), “explorando” os “atributos” físicos do ator Daniel de Oliveira (o Zolah, que retorna à família vinte anos depois e busca resolver pendências emocionais que o atormentam – principalmente com a irmã Raquel – a atriz Carolina Abras – e sua mãe Sônia – a atriz Sandra Corveloni). “O amor não tem verdade absoluta, mas tem que ser forte”, disse o diretor, que se “abrigou” em “Ondas do Destino”, de Lars Von Trier e em detalhes autobiográficos de “amor platônico” em “uma ilha situada sobre um vulcão”. Com isso, a conclusão talvez seja explicada pela falta de distanciamento entre a emoção vivenciada de forma visceral e o resultado menos equilibrado, faltando mitigar e “aparar” esses os excessos da entrega incondicional ao roteiro extremamente pessoal, reiterando a repetição melodramática de aceitação naturalista. Ledo engano. Trocando em miúdos, “separar” o joio do trigo. Observação final. O Vertentes do Cinema concorda em gênero, número e grau com que o bonequinho do jornal “O Globo”, Ruy Gardnier, disse.