Crítica: O Cidadão do Ano

Por Fabricio Duque

O longa-metragem norueguês “O Cidadão do Ano”, título brasileiro do original Kraftidioten (que pode ser traduzido literalmente como “Poder Idiota”), foi exibido no Festival de Cannes 2014 na Mostra Competitiva Oficial, apresentando narrativa ‘thriller’ “em ordem de desaparecimento”, visto a recorrência da violência gratuita visceral das execuções (até mesmo com risos “amigáveis” que as antecede) vingativas sem misericórdia. O cenário inóspito da região de montanhas da Noruega, com nevascas e frio excessivo, estimula o contraste entre o visual solar e a causa inexplicável da agressividade, talvez para que os personagens possam passar o tempo. O roteiro busca a atmosfera seca, dura e pragmática do sofrimento (estimulado) e da resignação (aceitada). É inevitável que quando se objetiva a artificialidade emocional, a inclusão, por exemplo, de trilha sonora melodramática destoa o equilíbrio rítmico, como ruídos da memória afetiva, incluindo atos sexuais sinestésicos. A trama dirigida por Hans Petter Moland ("Zero Kelvin - Sem Limites", "Uma Vida Nova") conta a história de Nils (Stellan Skarsgard – ator famoso por trabalhar nos filmes de Lars Von Trier), um homem sério e trabalhador que acaba de ser nomeado cidadão do ano por seus esforços. Ao receber a notícia de que seu filho morreu de overdose, desconfia da versão oficial e vai atrás dos verdadeiros responsáveis, se envolvendo com pessoas da máfia sérvia e norueguesa – impiedosa e sanguinária, e personificando um justiceiro “Dirty Harry” (referência explicita ao filme de Clint Eastwood). “Sangue por sangue, um filho por outro”, diz-se um “imigrante totalmente integrado” e “bom no contexto”. O que incomoda é a quantidade de gatilhos comuns “ajudados” pelo acaso (a bota tremendo, o corpo “jogado”), desencadeando uma sucessão de clichês, como a câmera lenta. Trocando em miúdos, “O Cidadão do Ano” é um misto referencial de estrutura cinematográfica da violência coreana com a suavização palatável da americana, gerando o previsível, o óbvio, o efeito (da chegada) e a caricatura quase patética. Entre “Wingman Top Gun”, “gangsteres gays”, “faroeste à moda Quentin Tarantino” (com inúmeras pitadas de “Kill Bill”), “Síndrome de Estocolmo”, o longa-metragem assume-se como entretenimento comercial tentando sem sucesso se tornar um exemplo estético independente. Não é de todo ruim, mas também está longe de ser bom.