Crítica: Mais Um Ano

Por Fabricio Duque

“Mais Um Ano”, do diretor britânico Mike Leigh (de “Segredos e Mentiras”, “O Segredo de Vera Drake”), busca abrigo na cinematografia clássica, especialmente pela não inclusão da trilha sonora, incidindo apenas em passagens elipses-temporais, preferindo, assim, o desenvolvimento do tema e a interpretação à forma, sem, é claro, esquecer a técnica. Aqui, a narrativa naturalista de ações corriqueiras e cotidianas utiliza-se da perspicácia de entender a personalidade e os sentimentos alheios, não os julgando, principalmente pela “anfitriã”, que vivencia uma psicóloga. É uma comédia da vida privada, com seu humor tipicamente inglês (de picardia socialmente amigável e não agressiva). O roteiro objetiva analisar vidas pelo viés da terapia cognitiva da espontaneidade do momento. Nada é construído, manipulado e ou “ajudado”. Os “conflitos” são “resolvidos” com a inteligência de se dizer exatamente o que precisa ser dito. Inevitável não identificarmos elementos cinematográficos dos diretores Woody Allen e Sang-soo Hong, que bebem na fonte da simplicidade organizacional, conduzindo o acaso como uma concreta realidade. A trama conta-se por instantes. A atividade do trabalho, almoços em família e amigos, caronas, “obrigações” sociais, tudo é desencadeado com uma leveza extrema, e aos poucos, detalhes de cada um são revelados, como uma romanceada novela da vida privada, com seus dramas, erros, passados, lembranças, felicidades, necessidades. É a vida acontecendo pelo relacionamento entre pessoas. “Mais Um Ano” inclui o espectador ao retratar intimidades sem ilusões e gatilhos comuns. É permitido adentrar na rotina existencial dessa família escolhida. Não é fácil “perceber” protagonistas, visto a importância de todos os “envolvidos”. Cada personagem possui uma particularidade, sendo por trauma causado ou autoestimulado. Temos os anfitriões, Tom (Jim Broadbent, de "O Diário de Bridget Jones", "A Dama de Ferro") e Gerri (Ruth Sheen, de “Segredos e Mentiras”, “Agora ou Nunca”), que são casados e levam uma vida confortável. Temos o irmão que acabou de perder a esposa e que tem um filho problemático. Tem a amiga “desesperada” e “deprimida” Mary (Lesley Manville, de “Segredos e Mentiras”, “Agora ou Nunca”), do trabalho de Gerri, divorciada e em busca de um novo relacionamento. Tem o único filho Joe (Oliver Maltman), que tem 30 anos e permanece solteiro. Tem o amigo Ken (Peter Wight), dos tempos de colégio, infeliz, sem esperança, acima do peso e que bebe compulsivamente. Concluindo, “Mais Um Ano” aprofunda sem correr, na maioria das vezes pela sutileza da interpretação, que diz praticamente tudo sem explicações redundantes. O longa-metragem é de 2010 e definitivamente demorou tempo demais para ser exibido nos cinemas, mesmo ganhando o Prêmio Ecumênico do Júri - Menção Especial do Festival de Cannes. Recomendado.