Crítica: Periscópio

Por Fabricio Duque

“Periscópio”, do diretor Kiko Goifman (de “FilmeFobia”), quando exibido no Festival do Rio, dividiu opiniões totalmente discrepantes e discordantes, inclusive aqui no site. O filme busca propositalmente a atmosfera de estranheza pela personificação metafórica existencialista das sensações emocionais da alma humana, beirando situações surrealistas, muito próximas ao universo do escritor tcheco Franz Kafka, cuja obra é pautada em arquétipos de alienação e brutalidade física e psicológica, com missões aterrorizantes, labirintos burocráticos e transformações místicas. Na trama, Élvio, Eric (os atores Jean-Claude Bernardet e João Miguel), uma cabra e um peixe chamado Jack vivem juntos em uma relação solitária, dependente, destrutiva, desconfiada e repulsiva. Porém, o espaço é invadido por um olho mecânico, sem explicação. Esse novo elemento, modifica completamente a relação entre os dois personagens e faz com que eles despertem para uma vida com esperança. Os detalhes microscópicos do corpo físico, a naturalidade teatral (meio Samuel Beckett) das ações do dia-a-dia , São Jorge quebrado, barulhos, a comida (inferindo “A Comilança”, de Marco Ferreri), o vinho, a espera da morte, tudo reverbera o “compartilhamento” da loucura do limite, gerando a catarse vivida na contemporaneidade e explicitando causas e consequências de um relacionamento, entre reclamações mútuas, trocas de carinho cúmplice e amizade incondicional. Os simbolismos do “teatro fantástico do absurdo” “encontram” o mundo real – como o monstro nascendo (do objeto inanimado que “passeia” entre eles), planos de arte moderna, e diálogos entrecruzados que mudam até mesmo a cor. O casal convive com as diferentes idiossincrasias de cada um, logicamente, tende-se ao desespero devido a uma repetição rotineira. Os anseios, medos (principal do abandono do outro), carências, doenças e dependências protetoras (de não deixar ninguém entrar) bagunçam-se e ganham um “gás” pela novidade inexplicável e criam o concretismo do invisível, do impossível. “Periscópio” é uma obra de arte por corroborar a estrutura não palatável da filosofia como personagem imediato e de sintoma curável. Recomendado.