Por Fabricio Duque
Em “Cássia Eller”, do diretor Paulo
Henrique Fontenelle, o Vertentes do Cinema fez de novo. Atrasou o texto, única
e exclusivamente pela passionalidade emocional que o documentário causou. Foi
difícil mesclar técnica, coesão, e até certo distanciamento, sem “cair em
lágrimas”, não por manipulação sentimental por parte do roteiro, mas sim pela
perfeição com que o cineasta trabalhou a memória afetiva sem clichês, gatilhos
comuns, melodramas e ou pieguices sobre o ícone protagonista em questão aqui. O
filme foi assistido durante o Festival do Rio 2014, em uma sessão de maioridade
feminina. Desde “Música é uma coisa bela, por isso eu tenho que ouvi-la” e
“Você se espantará quando me ouvir cantar”, complementada pela atmosfera
nostálgica, o espectador já sente a garganta apertar. A narrativa inicia-se com
fragmentos de shows da cantora, narrado pela atriz Mallu Mader e com
depoimentos (em voz e imagem de Nando Reis, Oswaldo Montenegro, Zélia Duncan,
Ângela Rô Rô, Arthur Dapieve, Marisa Monte). O documentário aborda o lado
existencialista de Cássia (fobias, timidez, vergonhas, defesas revolucionárias,
homossexualidade, exagero, drogas, bebidas, excessos, o filho, o relacionamento
bígamo, liberdades, limites, fugas e principalmente o medo “de gente”) e assim
consegue a intimidade sinestésica (do “choque e da admiração”, do público
alucinado, do comportamento “vulcão” e da “naturalidade sem pudor”, como dizia
“arrepiou o meu cabelo do cu” e que “Rock´n´roll não vou parar de cantar nunca
mais”), sem esquecer o começo da carreira e suas dificuldades. “Ela percebia o
ridículo da vida e se denunciava”, diz-se. “Ninguém nasce Cássia Eller
impunemente”, completa-se. Aqui, busca-se incluir mais imagens e menos câmeras
estáticas do depoente. Há harmonia, cadência, uma conjugação perfeita entre
música e discurso, de “timidez forte” e uma humanização (principalmente pelas
fotos metafísicas – dando um efeito “de poeira”, daqueles que voam
microscópicos em dias de sol – de parar de “ver a figura e sim o conteúdo”).
Paulo consegue extrair a essência de Cássia Eller, realizando uma terapia
cognitiva de definitiva descoberta. Ela “era perturbadora, porque tinha a
função de perturbar”, adjetiva-se com poesias naturalistas em “pétalas da
canção”. É doce sem ser açucarado. É sentimental sem ser ‘sentimentalóide’. É
“adorável”, mas “rebelde” e tem “loucura por palco”, “justa antes da justiça”,
“uma força da natureza”. Cássia sentia e passava uma “catarse profunda” e uma
“energia”, gerando a “sorte de quem estava lá a assistindo”. Concluindo, é um
filme redondo, que consegue traduzir um “mundo completo” de forma redonda em
uma obra “imortal”. Milhões de aplausos! Recomendado.