Crítica: Um Dia Na Vida + Encontro Eduardo Coutinho

“Um Dia na Vida” 
de Eduardo Coutinho

Por Fabricio Duque



“Um Dia na Vida” integra a filmografia do documentarista brasileiro Eduardo Coutinho, famoso por ser um “lobo em pele de cordeiro”, conseguindo assim, “confissões” de pessoas comuns. No filme em questão aqui, realizado em 2009, por dezenove horas ininterruptas e editadas ao vivo, a estrutura busca capturar o universo “popular” da televisão aberta. O dia escolhido foi uma quinta-feira “sem nenhum evento importante”. O material gravado, objetivado para “parodiar a televisão”, por nove câmeras, ligadas na mesa de corte, ficou “indisponível” (“proibido de passar”), devido às regras dos direitos autorais e seria utilizado para um filme futuro. No referido tempo real, passou-se por aulas de inglês, telecurso, trechos de programas comerciais, telejornais, desenhos infantis, como se “transmitisse” e criticasse implicitamente (apesar da imagem explícita) uma coletânea perceptiva da “degradação” humana e do “vício” que limita a possibilidade perspicaz, que se comporta como um “autismo” informativo de mão única. Coutinho exerce aqui o máximo de seu sarcasmo rabugento e um deboche oportunista, utilizando o próprio elemento contraditório para expor comportamentos.  Nada escapa. Temas como violência, religião, fama, novelas, bundas e pastores são apresentados como um Big Brother por comicidade e transformações patéticas. “Eu nunca tenho nada a dizer”, diz sempre prolixo, com divagações infinitas e buscando a “utopia” perdida (como o fade preto antes do PCB – “uma brincadeira com a Santíssima Trindade”). A montagem obrigatoriamente “cronológica” e não “ideológica” (cortes de oito minutos) só funciona se “for visto no lugar aristocrático e moribundo da tela de cinema”, como a “obra prima” do programa sobre os anéis. O diretor “manipula” o popular com a própria “esculhambação”, a ‘AutoTV’, (“a televisão fala de si mesma” e o sobre o que “consome”), em uma personificação metalinguística de interatividade amadora. “O submarino está na água, mas a água não está no submarino”, filosofa metaforicamente sobre a “lógica do menos pior”. A narrativa não quer “forçar a mão” para “não ficar escroto” – “salvo a Márcia” (entendedores entenderão). “Tinha que ter o Chaves, a melhor coisa da televisão brasileira”, disse Coutinho, no encontro EDT do Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro, e complementa com “Maria do Bairro, extraordinário”. O Dogma “Coutinho”, por mais que se apresente aleatório, busca regras do corte não rápido, do ‘zapping’ sereno. “Já sou um homem à beira da morte”, disse com uma mórbida premonição. O filme “acaba porque acaba”. “São só filmes”, ensina e “manda a letra”: “Estou numa fase que odeio a humanidade”. O título original do filme escolhido foi “Grades”, buscava “pilhar todo lixo fútil que existe no dia-a-dia” e provar que não há silêncios. Para entender o jeito brasileiro de Coutinho tem que ter “um pouco de latinidade”, “personalidade forte”, “não ter neuroses e sim vivências”, “estar à frente do tempo”, “aceitar que virginiano não joga nada fora”, que “Nova York é o microcosmo do mundo” e que “Nicole Kidman é efêmera e não real”.