Crítica: Les Passagers

Por Fabricio Duque

“Os Passageiros” representa uma ode à humanidade e seus sentimentos sobre as situações mundanas e cotidianas, que “vivem” um dia de cada vez, “adormecidos” em “diversões, surpresas e na monotonia”. O filme de Jean-Claude Guiguet (de “A Miragem” e colaborador na revista “Cahiers du cinema”)  aborda passageiros, indivíduos de uma sociedade francesa, em um trem-bondinho entre Saint-Denis e Bobigny, manifestando monólogos, existencialismos, individualidades, quereres, desejos, sexualidades, falhas, timidez, percepções, egoísmos, ora questionando “serviços” prestados pelas empresas, ora aceitando “engolir o que dão de comer a eles”. O argumento critica a realidade, o tempo de 1999, completamente atual nos dias de hoje, mesmo muitos anos depois do filme ter sido realizado e suas ideias apresentadas. São pessoas “contra tudo”, tentando “interesse sem recompensas”, “sobrevivendo” com o que conseguem ter por não serem “contemplados” com a “felicidade plena”. O roteiro objetiva a desesperança de um mundo já morto, que está em decomposição. Uma das soluções metafóricas seria a “cremação”? Para que assim os “esqueletos” deixem finalmente de não mais existir? Uma das personagens, uma enfermeira (outro simbolismo – visto que é alguém que cuida dos moribundos), narra histórias “autointeresse” e suas vidas, consequências, escolhas, medos, anseios, culpas, projeções, utopias, liberdades aceitáveis e impostas “prisões” internas.  O que vemos são criaturas indefesas que perpetuam as confusões, idiossincrasias massificadas, vulnerabilidades ininteligíveis, fraquezas inexplicáveis, teorias subjetivas, opiniões extragalácticas e humores alterados (com remédios dosadores de ansiedade, que equilibram tanto que não se sente mais o verdadeiro querer de si próprio) de outras criaturas, “ditos” como nossos próximos, mas que na verdade só estão ali para fornecer “coro” ao tempo, espaço e visão. “Conversar com mortos ou vivos faz alguma diferença?”. Abrindo parênteses, há uma nova campanha no metrô carioca: “Desligue seu celular e olhe para o lado e você encontrará pessoas interesses para conversar”. Nós estamos buscando tão desesperadamente nossa cópia nos outros que nos esquecemos de identificar novas possibilidades de ser. Proteção? Inibição? Controle? Impaciência? Depressão? Liberdade do “bloco do eu sozinho”? Concluindo, a narrativa extremamente líquida mostra elipses, faltas, espaços e instantes cruzados ou não. Cada um tem um mecanismo muito particular de descarregar demônios internos, que são personificados em ansiedades, e que por sua vez, atingem o físico (hábitos “fumados” ou doenças psicossomáticas ou não). Transporta-se para dentro (uma incongruência das opções humanas) dramas, excessos, preconceitos, obsessões, amores, incondicionalidades, passionalidades, decisões, erros, definições, hipocrisias, fingimentos sociais, defesas, jogos da própria preservação, intensidades, enganos, possíveis destinos, indefinições, sinestesias, descontroles, fugas, desesperos, sadismos, memórias, preocupações, estágios de tristeza, agitações, felicidades desmedidas, insinuações, equívocos, desvios, perspectivas, laços, afinidades, paixões arrebatadoras de dizer a frase ‘eu te amo’ em poucas horas, vazios, ímpetos, arrogâncias, prepotências de percepções imediatas, conjugações, adjetivações, energia, pensamentos, letargias, vivências solitárias, vícios, enaltecimento de outros seres, fornecimento de poderes alheios, conjecturas, conotações, desmerecimentos, capacidades, maestrias, qualidades, invenções, mentiras, sinceridades, obstruções, proteções, latitudes, invejas, pecados, crenças – racionais e ou radicais, buscas, criações, produções diversas, safadezas, crueldades, obscuridades, psicopatias, gostos, idiossincrasias, ingenuidades, fisiologismos, preferências, verborragias, lógicas, contundências, discrepâncias, tendências.... Não há fim. A lista poderia continuar até um infinito desmarcado. Nós possuímos uma aversão ao confronto. É claro. Quem deseja sair da própria zona de conforto? Só os loucos talvez, que tiveram tamanha sanidade para modificar comodismos. É inevitável. O medo nos ronda e nos diminui, limitando nossas ações seguintes. Medo da exposição. Medo da cobrança. Medo da rejeição. E o medo do próprio medo. Fato. Mas se aceitarmos este medo – note que esta palavra será constantemente repetida – então aprofundamos a inerência, não participando como um coadjuvante e sim a própria inserção na personalidade vivida. Temos medo. De tudo. Da vida. Da morte. Dos outros. De nós mesmos. Como foi dito, de tudo. Nosso processo é alimentá-lo, lentamente, com doses homeopáticas e diárias. Nós nos tornamos nosso medo. Somos violentados a aceitar. E aceitamos. Sem pestanejar. E sabe o motivo? Por medo. E assim, a vida segue até seu “esperado” descanso esquelético. O diretor Jean-Claude Guiguet nascido em 22 de novembro de 1948 faleceu em Aubenas em 16 de setembro de 2005.