Crítica: Metamorfoses

Por Fabricio Duque

“Metamorfoses” representa o novo filme do diretor francês Christophe Honoré, que talvez seja o mais francês dos novos cineastas da França. A película é um exemplo homenagem explicito ao cineasta Eric Rohmer. Escolhendo atores fetiches de uma beleza ímpar que quase incomoda o espectador pela perfeição visual, o filme em questão aqui  é uma ode naturalista às metáforas políticas e religiosas. A caminho da escola, uma garota é seduzida por um homem. Ele a sequestra. O homem começa a contar para a menina estranhas histórias sobre pessoas que se transformaram em animais depois de conhecê-lo. Ela fica tranquila e não sente medo das histórias, mas sim, as acha engraçadas. Há nudez, liberdade de existir, desejos não limitados e elipses sentimentais. É um filme que tem tempo de cinema, que se embrenha no bucolismo intrínseco da cinefilia, exacerbando o amadorismo em prol da arte. Um filme único. Estranho no melhor sentido da palavra. É epifânico nas ideias e é utópico nas reações passionais. Os filmes de Honoré possuem três pilares iniciais. Têm uma preocupação generalizada do futuro; uma ideia de juventude perdida; e tentam entender o que é que faz com que esta geração seja diferente da geração dos pais, que é explicado pelas palavras do próprio diretor quando diz: “Meus pais viram o amor e o futuro com esperança - mas eu vi o amor e o futuro com medo”. A característica mais marcante nos filmes de Christophe é a tentativa de resgatar esta esperança ao trabalhar com realidade idílica a ingenuidade passional de cada um de nós. A narrativa “assume” a atmosfera surreal e lisérgica (névoas delirantes), apresentando-se como uma personificação mitológica para “traduzir” a pluralidade do amor. A estrutura de Metamorfoses (do poeta Ovidio) constitui-se de quinze livros escritos em hexâmetro dactílico com cerca de 250 narrativas em doze mil versos compostos em latim, e transcorrem poeticamente sobre a cosmologia e a história do mundo, confundido deliberadamente ficção e realidade, narrando transfiguração dos homens e dos deuses mitológicos em animais, árvores, rios, pedras. A abertura fílmica mostra o amor de um caçador por um travesti, recebendo uma chuva de purpurina e se transformando em um veado. A fábula (anjos, Tirésia cego, Narciso, o poder do Baco, Ninfas “stalker”) encontra o universo de Jacques Demy com a naturalidade de Abdellatif Kechiche, desta vez sem o elemento musical dos filmes anteriores de Honoré (“Canções de Amor” e “As Bem Amadas”). As ações simples e cotidianas criam outras metáforas: Europa, Júpiter, motorista de caminhão, predadores e a atualização do contemporâneo (o supermercado Carrefour). O diretor realiza sua “mini” revolução de críticas à Igreja (ao invocar os princípios básicos). A mensagem que fica é a jornada da Europa (lembrando a versão mais dramática de “Europa Morta”, de Tony Krawitz) adaptando-se ao longo dos anos a um politicamente correto do comportamento atual e de julgamentos insensíveis e individualizados. Paradoxalmente, um “futuro” que pretende a “nostalgia” conservadora. Recomendo.