Crítica: O Abutre

“Queria mostrar o lado funcional da cidade, os ‘strip-malls’, então usamos grande profundidade de campo, tentando obter grandes angulares, tanto quanto possível, porque o personagem de Lou é como um animal noturno que desce das montanhas à noite para se alimentar. Um coiote. Esse é o tipo do animal simbólico; é por isso que ele perdeu todo o peso porque coiotes estão sempre com fome. É quase um documentário animal, que se move por luzes de neon dando uma espécie interessante de brilho. Esta é a história por trás”, disse o diretor Dan Gilroy.

Por Fabricio Duque

Não é de hoje que um “pseudo” jornalismo tenta “alimentar” o lado “abutre” do ser humano. Se observarmos nosso cotidiano, iremos perceber este “desvio” (adjetivado nos dias atuais como depreciativo) social. Quem nunca “correu” à janela para “assistir” um acidente de carro, por exemplo? É partindo desta premissa que “O Abutre” desenvolve sua trama, utilizando-se do jornalismo “ultra” sensacionalista a fim de “fornecer” a demanda de “espectadores sanguessugas” e vorazes por desgraças, “acordando” o lado “sociopata” de cada um. O longa-metragem, dirigido pelo estreante americano Dan Gilroy (roteirista de “O Legado Bourne”, “Gigantes de Aço”, “Freejack: Os Imortais”, “Tudo Por Dinheiro” e casado com a atriz Rene Russo – também no elenco do filme), é mais um dos exemplos de atores que se entregam completamente ao papel, de forma extremamente radical. A “vítima” (por ideia própria) da vez foi Jake Gyllenhaal, que perdeu dez quilos porque visualizava seu protagonista como “um coiote com fome”. Para criar a aparência um tanto quanto esquelética, o ator exercitou-se por até oito horas diárias e foi correndo ou de bicicleta para o set de todos os dias. Ele empenhou-se tanto na cena em que fala com si mesmo, que o ator deu um soco no espelho, o quebrando e cortando sua mão, tendo que ir a um hospital levar pontos, e retornou ao set logo depois. Obsessão por um Oscar? Talvez. Realismo demasiado? Com certeza. Só que, definitivamente, toda esta “construção” é um dos trunfos do filme, porque o objetivo pretendido é alcançado. Nós nos esquecemos da figura “boa pinta” de Jake e o que vemos é sua “carcaça” interpretativa, que raramente pisca. Outra característica da narrativa é enquadrar um período específico. Propositalmente, não se conhece o passado, apenas que Louis Bloom enfrenta dificuldades para conseguir um emprego formal, aproveitando a “oportunidade” de entrar no agitado submundo do jornalismo criminal independente de Los Angeles. A “fórmula” é correr atrás de crimes e acidentes chocantes, registrar tudo e vender a história para veículos interessados. O protagonista desconstrói o maniqueísmo ao acrescentar camadas comportamentais da própria existência, mas em nenhum momento, nem no princípio, há distanciamento da percepção do bom e do mau. Somos conduzidos ao universo do mimetismo, “sobrevivendo-se” pela adaptação social e “dançando conforme a música”. O papel de Jake, extremamente complexo, é “alimentado” pelas influências tartamudeadas do próprio meio em que se está (comparando futilidades com fatos inquestionáveis – e tidos como definidores – presentes na alma humana). Faz-se de tudo para que o sucesso na televisão não se esvaia. Assim, a renovação constante dos “quinze minutos de fama” é necessária, sem “convenções” éticas, morais, solidárias, humanizadas, utilizando-se sem pena e com técnica profissional egoísta a máxima da natureza de que “só os fortes se salvam”. Não há tempo para sentimentalismos vitimados, tampouco culpas melodramáticas. Um longa-metragem que mescla adrenalina hollywoodiana; ambientação “Drive” (de Nicolas Winding Refn) de ser; interpretação “insana” e sem ressalvas de Jake Gyllenhaal (que “memorizou todo o filme como uma peça” e que não se abespinha com as consequências impetradas pelo acaso); música que representa as mesmas pistas da “cabeça do protagonista” e do realismo jornalístico (quase um ‘mockumentary’ – “O ator Riz Ahmend pernoitou em LA com "reais" profissionais que buscam filmar acidentes em primeira mão, para posteriormente vendê-los a um veículo jornalístico, a fim de seu personagem”). Concluindo, “O Abutre” é um filme “Uauuuu!”, metafórico da figura do coiote (nunca satisfeito) e que necropsia “a solidão desesperada, furiosa e insana quando os preceitos do capitalismo se tornam uma religião”. “O personagem não tem que ser classicamente heroico. Ele pode ser um anti-herói. Imaginei-o sozinho como uma criança, e tudo o que ele tinha era o seu computador. Eu acredito que ele é um supercapitalista, uma religião que lhe dá sanidade e que em última análise, o deixa louco e o empurra ao limite”, finaliza o diretor Dan Gilroy.