Crítica: Mommy

“Do ponto de vista artístico, aprendi com meus erros, para não repeti-los estupidamente. Tomei mais distância do cinema com propostas intelectuais. Compreendi que são os personagens que tornam a narrativa interessante ou não. Sou uma pessoa melhor, que não desdenha de coisas consideradas comerciais. Hoje me sinto feliz de ver um filme como “Thor” e me divertir. Há uns cinco anos, acharia um pecado. Erradiquei preconceitos esnobes e infantis, estou mais aberto. Acho que foi um gesto deliberado do júri me premiar junto com o senhor Godard. Nós dois buscamos liberdade no cinema, mesmo que por caminhos diferentes”, disse o diretor Xavier Dolan. 

Por Fabricio Duque

É indiscutível a ascensão da maturidade cinematográfica do “menino-prodígio” Xavier Dolan. O diretor canadense da parte francesa desde seu primeiro filme “instaurou” um estilo próprio e único, apesar das referências fílmicas. Entende-se até quem não aprecia seus longas-metragens anteriores (“Eu Matei Minha Mãe”, “Amores Imaginários”, “Laurene Anyways”, “Tom Na Fazenda”), mas dizer negatividades sobre sua mais recente obra (prima) “Mommy” é quase um “sacrilégio”. É unanime no positivismo. O filme, exibido no Festival de Cannes – vencendo na categoria de Prêmio do Juri, corrobora seu tema recorrente: a relação codependente do amor incondicional de uma mãe e um filho. Dolan equilibra o estilismo visual, elemento característico em suas narrativas, surpreendendo com a determinação perseverante de não abandonar os próprios ideais ao criar metalinguagens interativas de uma competente passionalidade. Xavier Dolan cresceu. Amadureceu. E aqui, mescla pontos de vistas não unilaterais, transformando a pretensão e a arrogância adolescente em sôfregos momentos de resignações, alienações sociais, catarses desmedidas, limites descontrolados e da simplicidade de se viver a própria vida, tudo pelos olhos de seus personagens Kitsch e infantis.  A trama traz o realismo fantástico de um Canadá fictício. A fábula, de política-social-existencialista, “cria” possibilidades “legais” de uma mãe se “proteger” das ações “incompreendidas” e intrínsecas de um filho adolescente (enxergadas como “delinquentes”), com o “direito de deixá-lo morrer”. Dolan referencia seus próprios filmes como a mãe “exótica” de “Eu Matei Minha Mãe”, que “atesta” que “nunca fará isso” e a “Esqueceram de Mim” (de Chris Columbus - na cena do espelho quando explicita semelhança com Macaulay Culkin). O roteiro (do próprio diretor) questiona o “tempo” atual que vivemos. O politicamente correto está tão “elevado” que não se pode mais “vivenciar” as próprias particularidades, desencadeando “salas de isolamento”, comportamentos da “política da boa vizinhança” (medo da volta ao internato) e consequências extremas. As imagens (poesias visuais e de cacofonia cúmplice), complementadas por músicas pop (Dido em “White Flag”, Oasis em “Wonderwall”, Lana Del Rey em “Born to Die”, entre outras), envolvem o espectador em um ambiente metafísico e nostálgico da memória afetiva. Deseja-se a sinestesia. A contemplação da história contada de Diane Després (Anne Dorval), viúva e sobrecarregada por ter que criar sozinha seu filho Steve (Antoine-Olivier Pilon), “violento” e problemático. Em um ato de coragem ela tira o garoto da escola e é surpreendida pela boa vontade da vizinha, Kyla (Suzanne Clément), professora que demonstra interesse em ajudar a complicada família. Assim, um vai modificando percepções, tabus, liberdades, “freios verbais”, “censuras”, idiossincrasias, vícios (a bebida alcoólica no café) entregas do outro, mesclando personalidades em uma só (“um time” de mãe “barraqueira incompatível” e filho “porco, antissocial e diplomático”), atacando-se naturalmente com exageros e crueldades (aceitáveis – entre eles). São idênticos, verborrágicos, “selvagens”, agressivos, preconceituosos e depreciativos. Eles deixam os “outros constrangidos”, mas “tentam” a hipocrisia da “perfeita” convivência na sociedade (a se controlar e a “podar” um adolescente de ser um adolescente). A fotografia solar (alaranjada – como uma foto antiga) apresenta-se inicialmente em tela reduzida (aprisionando quem assiste na codependência), indicando limites de seus personagens. “Não há tédio”, diz a mãe “Piriguete e Barbie”. “Mommy” está sendo considerado um filme de gênero gay, mas não é. Confunde-se talvez pelo comportamento do filho (que pinta a unha, que encena um papel emo e que dança livremente). O público percebe a crítica sobre o “aumento” das convenções preestabelecidas do mundo moderno. E então, Dolan surpreende e mostra toda sua maestria em “expandir” o universo, manipulando pela interatividade das infinitas possibilidades, projetando futuros (não em câmera lenta, mas pausando o próprio presente) e retornando depressões (a realidade encontra a fantasia). “um tiquinho melhor que Al dente”, diz. O longa-metragem é uma ode ao amor e à proteção do sofrimento. “Cada um tem a sua maneira de agir”, finge “felicidade” e finaliza com “Não havia muito esperança aqui”. Concluindo, uma obra-prima.  “Agora, o que impede que um ame o outro é a sociedade em que vivem. Primeiro, há o empecilho da classe social: é como se a indigência fizesse parte dos genes deles, passado de geração para geração. Quebrar esse ciclo vicioso exige muita coragem. Diane a tem, mas o filho é doente, o que torna a equação mais complicada. Eles estão condenados desde o início. A figura paterna não me inspira, por enquanto. Sinto que as mulheres, longe de seus estereótipos sociais, merecem mais atenção. Tenho confiança em minhas ambições, mas trabalho em constate dúvida. Reinvisto tudo que ganho em meus filmes. É assim que consigo fazer um atrás do outro. Sim, sou pobre!”, termina o diretor Xavier Dolan, na coletiva do Festival do Cannes.