Crítica: Ventos de Agosto

“A ideia inicial era abordar de alguma forma aquele cemitério que estava sendo engolido pelo mar (em Porto de Pedras, Alagoas), que realmente existe. Eu tive contato com o local por uma viagem e depois criei uma estrutura de roteiro ficcional para lidar de alguma forma com o imaginário daquela comunidade, que tem uma relação muito atípica e especial com a morte. O roteiro é todo ficcional, mas de alguma forma a gente criou estratégias de aproximação para se apropriar de eventos espontâneos. Na cena em que aparece uma caveira com dente de ouro, um senhor a reconheceu e começou a contar histórias sobre a pessoa que morreu. Não sabemos se ele inventou ou não aquela história, mas isso trouxe mais uma camada para o filme”, disse o diretor Gabriel Mascaro.  

Por Fabricio Duque

“Ventos de Agosto” representa o novíssimo cinema nacional, que possui como marca buscar referências fílmicas em cineastas autorais de filmografia independente (Lav Diaz, Naomi Kawase, Apichatpong Weerasethakul, Brillante Mendoza, Alumbramento Filmes e “Os Monstros”). Sua característica mais comum é a utilização de planos longos, contemplativos, silenciosos, de existencialismo analítico, de uma resiliência “agitada” que acaba se transformando em resignação propriamente dita (sem apatia e ou estágios vitimados). Aqui, o diretor Gabriel Mascaro estreia na direção de um longa-metragem (dos documentários “Avenida Brasília Formosa”, “Doméstica”), reitera na narrativa o estilo acima e retrata o cotidiano naturalista-realista de “pequenas” ações de moradores locais (ouvir “punk rock” enquanto passa refrigerante “coca-cola” como bronzeador no corpo, o Jornal Hoje na televisão, tatuar um porco, pilotar um barco, dirigir um caminhão, a carona em um ônibus escolar que toca “Pintinho Amarelinho”). Eles não esperam nada em uma vida interiorana de “velhices” versus “mocidades”, traçando diferenças limitadas (massificadas e enraizadas) e esperançosas. A fotografia “aberta” observa o “nada” deles, que são interpretados por alguns “nãoatores” muito bem treinados. O ambiente “resignado” começa a mudar por conta do acaso (e talvez da “única” tentativa de se poder conservar o que ainda resta de intrínseco dentro de cada um deles). Um mergulho e um rosto “caveira” humano encontrado motivam os “jovens” a descobrir segredos e vivenciar mais intensamente os costumes locais, como um jogo de “fuga” da própria realidade nua e crua. A elipse narrativa mostra um homem brasileiro (o próprio diretor “metafísico”), mas “de estrangeirismo local”, captando o som do vento, com equipamento quase “extraterrestre” que “desequilibra” a naturalidade local e destoa da paisagem visual, parecendo um “antropólogo” com novidades tecnológicas que muda o cenário, cena esta que por sinal gerou gargalhadas na sessão à imprensa. E quando ele tenta interagir (entrevistando com a estrutura de um documentário tradicional), encontra desconfiança de uma ingenuidade naturalista e linguagem coloquial extremamente mitigada de respostas suavizadas. “A pedra tem pulmão”, diz-se. É um longa-metragem de instantes, de momentos, que se conjugam por passagens temporais. “Nada pior do que morrer no mar”, sobre a morte vista com naturalidade (crenças locais do velório, a obsessão no corpo do falecido para salvá-lo – incluindo música pop internacional – descaso dos “recolhedores” dos mortos, o sinal do celular quase no topo da árvore, a agressividade no tratamento relacional com o filho, o sexo instintivo, consentido, de nudez pura). O filme apresenta a técnica de mudar protagonistas, concentrando-se mais tempo na personagem Shirley da atriz Dandara de Morais (que já fez “Malhação” – prova maestria interpretativa – tudo por causa do “menos é mais” – dificilíssimo). Acompanha um, o segue, e caso algo aconteça, o abandona (e ou o integra no todo). O longa-metragem curto, de quase oitenta minutos, mostra-se sóbrio, competente, despretensioso (mesmo “criando” a tendência referencial), de direção “clínica” e autoria “sem preocupação” excessiva. Uma fábula sobre o tempo e suas consequências. Shirley deixou a cidade grande para viver em uma pequena e pacata vila litorânea cuidando de sua avó. Ela trabalha numa plantação de coco dirigindo trator e, mesmo isolada, cultiva o gosto pelo punk rock e o sonho de ser tatuadora. Ela está de caso com Jeison, um rapaz que também trabalha na fazenda de cocos e nas horas vagas faz pesca subaquática de lagosta e polvo. Durante o mês de Agosto, com a chegada das tempestades e da maré alta, um estranho pesquisador chega a Vila para registrar o som dos ventos alísios que emanam da Zona de Convergência Intertropical. Os ventos crescentes marcarão os próximos dias da pequena vila colocando Shirley e Jeison numa jornada sobre perda e memória, a vida e a morte, o vento e o mar.  Vencedor do Festival del film de Locarno – na categoria Menção Especial, do 47° Festival de Brasília, na categoria de Melhor Fotografia e Melhor Atriz, e VII Janela Internacional de Cinema do Recife – na categoria de Melhor Direção e Melhor Som. Não perca!