Crítica: Trinta

“O Joãosinho Trinta carnavalesco todo mundo conhece. Os carnavais dele todos conhecem. O que me interessa contar? O que as pessoas pouco ou nada conhecem. Então eu pego uma mitologia de super-herói, na qual a gente esquece o Joãosinho e pensa no Batman, e quero saber o que aconteceu com ele antes dele virar Batman. Depois que ele vira o herói, todo mundo sabe o que ele faz. O João era João Jorge, quando era bailarino. João Trinta quando virou cenógrafo. Joãosinho das Alegorias quando era alegorista do Salgueiro. Só virou Joãosinho Trinta quando botou o primeiro carnaval dele na avenida. Então, na minha visão de cineasta, o que me interessou foi até esse momento. Depois disso, é só dar um google que você sabe o que aconteceu”, disse o diretor Paulo Machline. 

Por Fabricio Duque 

Como já se sabe aqui no site, cinebiografias brasileiras são romanceadas, novelescas, rotuladas, simplificadas em sua essência e suavizadas para que assim possam “atingir” um equilíbrio positivista e quase unilateral das polêmicas de seus “homenageados”. Em “Trinta”, de Paulo Machline (de “Natimorto”), que nasceu da experiência do documentário “A Raça Síntese de Joãosinho Trinta” (a partir de um artigo de Carlos Heitor Cony), em 2009 (que foi apresentado no Festival do Rio do mesmo ano), que conta a história de Joãosinho Trinta e que teve sua gala no Theatro Municipal do Rio de Janeiro, durante o Festival do Rio deste ano, por causa de seu “protagonista” ter participado do corpo de bailarinos do mesmo espaço cultural, o filme ganha “novos” contornos e aprofundamentos (elemento mais que importante para tornar o longa-metragem com diferenciações narrativas). É uma "grande" celebração-homenagem, utilizando-se da energia carnavalesca para construir a “cadência” da trama apresentada. Matheus Nachtergaele está incrivelmente Joãosinho Trinta, e disse que estava tão nervoso que lembrou o ditado de "vai pentear macaco" e como não tinha um, foi pentear seus dez cachorros. Ele interpretou com cautela (passional) e brilho (técnico) nos olhos, tendo uma cumplicidade competente dos demais coadjuvantes, que complementaram "harmonia" e "Pytagoras" (1, 3 e 7). Escolheu-se o gênero novela, com flashbacks e núcleos, a fim de representar o cenário histórico do início 1960 e de 1973-1974. Aqui, há ritmo, que se divide entre a encenação perceptiva e a naturalidade propriamente dita, trabalhada por uma equipe solidária. Um grande filme com glamour e de fotografia “sujinha” do submundo e dos interiores (quase sem luz) dos barracões das Escolas de Samba. Assistido no Municipal faz com que o espectador se torne parte na metalinguagem interativa pelos aprofundamentos da imagem refletida da própria plateia. Não é ao vivo, lógico, Mas parece, isso sim, causando, assim, emoções como estar no “coração” da bateria que segue a cadência de um samba. Matheus (que fez aulas de balé "para adquirir a postura altiva do João”) “presenteou” o público com uma carta “endereçada a Joãosinho” que dizia “eu penso no que foi cada espetáculo... estou no teu primeiro palco... eu fiz teu filme uma homenagem como faz uma oração... e aplauso para chamar a atenção dos deuses". Um filme sóbrio, logicamente com os gatilhos comuns característicos do gênero, que vem a somar e não se tornar mais um no mundo perdido da mesmice das biografias adaptadas ao cinema. O filme traça o retrato do artista a partir de um recorte no tempo. Dos anos 1960, quando se mudou do Maranhão para o Rio de Janeiro a fim de se tornar bailarino do Theatro Municipal; até 1974, ano em que assume o posto de carnavalesco da Acadêmicos do Salgueiro, tradicional escola de samba do carnaval carioca. Do anonimato à consagração, Trinta aborda a amizade e o rompimento de Joãosinho Trinta com o cenógrafo e carnavalesco Fernando Pamplona (Paulo Tiefenthaler), o preconceito sofrido dentro da própria família e a inveja despertada no barracão.