Crítica: Sopro

“É o campo. Outro tempo. É um documentário que foi crescendo de forma natural. O tempo como conceito me instiga a filmar. Registrar como as pessoas experimentam a passagem do tempo. Na maioria das vezes, pela falta. Eu esperava muito e filmava pouco. É um ritmo de vida completamente diferente. Gosto de obras abertas que não terminam na tela, e sim na cabeça do espectador. Até que ponto conduzir, até que ponto largar. Um processo de tensão e distensão. Trazer o espectador para completar lacunas e espaços, a escutar o vento de forma diferente, as várias travessias e desencantos”, disse o diretor Marcos Pimentel na V Semana dos Realizadores. 

Por Fabricio Duque

“Sopro”, exibido em formato analógico (35 mm) na edição do ano passado da V Semana dos Realizadores, representa a estreia na direção de um longa-metragem de Marcos Pimentel. O documentário (dedicado a seus avós) tem o objetivo de retratar a existência humana e os mistérios da vida (“brincadeiras para os novos”) e da morte (a espera estampada em um rosto sofrido, desgastado e envelhecido) a partir do cotidiano dos habitantes de uma pequena vila rural interiorana. Isoladas, as famílias experimentam uma relação única com a natureza, minúsculas diante da imensidão da paisagem. É um filme sem diálogos, mas não é mudo. Pelo contrário, são personificados pela lente da câmera silêncios, nuvens, a poeira, a montanha, a água de um rio e paisagens inóspitas de natureza morta (sem humanos), como os “balés” das roupas em um varal e das árvores pelo vento. A narrativa retrata o tempo real das coisas (um big brother realista sem cortes, com imagens estendidas e de ambientação natural das ações cotidianas de vidas no interior: varrer a casa, brincar, amolar um machado, tirar o leite, ordenar porcos, fazer café), mostrando a vida nua e crua sem suavizações ou fantasias, como closes viscerais de animais (traduzindo sentimentos dos bichanos). É a vida que acontece. Sem edição. Sem pressa. O espectador é aprisionado a uma experiência de férias visual do mundo agitado da cidade grande. Lá, no cenário (próximo a Juiz de Fora) de “Sopro”, trabalha-se todo dia, em ações repetitivas (de vida simples, pura e ingênua) para a sobrevivência “banal” de cada um (o tédio de uma idosa católica com seus remédios). É a tradução do tempo suspenso. A fábula realista de conexão com a natureza e seus pormenores, explorando liberdades e limites de seres humanos e animais. Não há como negar a atmosfera Terrence Malick (diretor de “Árvore da Vida”) de ser, tampouco a “Girimunho”, de Helvécio Marins e Clarissa Campolina. Somos conduzidos a exercícios estéticos da câmera mesclados com estrutura National Geography (o parto de uma vaca, por exemplo – quase completo) e com a televisão (“Picapau”, forma, palavra, antena, satélite). “Acredito no cinema artesanal, com uma equipe reduzida-coletiva. Está sendo exibido quase à moda antiga, primitiva – cinema primordial. Fugir do apagão digital. Fazer um filme de atmosfera: hábitos do local e pulsões da vida e morte presentes em tudo. É a essência do homem e os mistérios que rondam nossa existência”, finaliza o diretor Marcos Pimentel durante a apresentação da V Semana dos Realizadores.