Crítica: Nove Crônicas Para Um Coração Aos Berros

Por Fabricio Duque

“Nove Crônicas Para Um Coração Aos Berros” representa a estreia na direção de um longa-metragem do diretor brasiliense Gustavo Galvão (de “Uma Dose Violenta de Qualquer Coisa”) e Equipe (já que ninguém faz cinema sozinho), e que chega “atrasado” ao Rio de Janeiro, mais uma vez por “problemas” de exibição. É incrível que com apenas dois filmes no currículo (e alguns curtas-metragens – que não serão referenciados a pedido “sutil” do diretor), Gustavo já imprima um cinema próprio, que busca referências a Roy Anderson (“Você e os Vivos”), Jim Jarmusch e Aki Kaurismaki. Aqui, são nove crônicas, atemporais e sem a indicação de um lugar especifico, que abordam o limiar entre abandonar o tédio de uma vida e o agir. Pode muito bem ser considerado como o “preâmbulo” de “Uma Dose Violenta de Qualquer Coisa”, já que os dois filmes “conversam” sobre existencialismos “práticos” e “covardes”, utilizando-se, sempre, a figura do próximo para que estes personagens sejam salvos. Uns conseguem. Outros não. A fotografia “embrenha-se” na escuridão destes quereres confusos, “medrosos” e idiossincráticos, aprisionando o espectador em planos longos, contemplativos, de humor “banal”. Eles estão presos em um comodismo adaptado da vida, em uma normalidade cotidiana e em uma apatia resignada, que os impede de seguir adiante, de dar o primeiro passo, de mergulhar no abismo e de sair da caverna construída. Larissa não gosta mais de Mário. Leopoldo não sabe se vai ou se fica. Júlio ainda vive com a mãe. Simone cansou de ser ”puta”. Vanise lembrou o que significa ser mulher. Philipp não quer voltar para a Alemanha. Carol carrega um cemitério de lembranças. André quer fazer uma música diferente. Denise decide que quer experimentar novas experiências. Cada um precisa de um “clique” para modificar mesmices e infelicidades. A narrativa, de gênero Coral, apresenta muitos personagens, que se intercalam entre crônicas paralelas, instantâneas, possíveis e críveis do dia-a-dia. Há um “estalo” definidor na vida de um individuo social que o motiva à mudança. Como já foi dito, o comodismo assenta-se como um futuro “quase” impossível de existir. A fotografia “aberta”, sem close e de roteiro que “cada ator só sabia de seu papel” criou o universo peculiar, de amadorismo “proposital” interno de ações, esperas, reações, sonhos, empolgações e impulsividades. As referências cinematográficas do diretor geram o olhar analítico de cada um dos personagens, “estudando” planos e observando explicitamente o outro, tentando descobrir vulnerabilidades para que se possa avançar ao próximo passo. Enquanto uns “procuram” a padronização “manual” de um roteiro palatável, eis que surge um brasiliense “torto” que quer de toda forma “desconstruir” a sétima arte apenas com os intrínsecos elementos característicos. E como disse o escritor José Saramago no livro “As Intermitências da Morte”: “O resultado final é o que caracteriza os autênticos dilemas”. Não perca!