“Esse filme trouxe a vida para mim. A
minha relação com a câmera estava nos primórdios do meu trabalho. Uma relação
física. A música me imobiliza. Cria uma tensão entre o ouvinte e quem está lá.
É um êxtase. Como se atravessasse um furação. Ouvindo uma música, você se torna
uma lagartixa. Imóvel na pedra. Ou você sai, ou permanece. Esse filme foi uma possibilidade de sair da tristeza depois
de terminar um filme. O cinema é contagiante, uma síntese do humano
participando do êxtase”, discursou a diretora Paula Gaitán.
Por Fabricio Duque
“Noite” é a viagem experimental
de Paula Gaitán à essência das musicas e de suas consequências afetivas. Uma forma da diretora se “curar” da “abstinência fílmica” do processo
“construtivista” em anos de “Exilados do Vulcão”, seu filme anterior. Ela cria
o cinema para si com seus gostos estéticos de ângulos, cores, sombras e reflexos
estilizados a chamas do fogo. É o que ela ouve. Uma seleção subjetiva de instantes,
gêneros, humores e épocas, fragmentadas no tempo do seu interesse. É sensorial,
musical, epifânico, catártico e extremamente pessoal, único e ímpar, apesar das
referências a outra estética experimental: a do cineasta francês Henri-Georges
Clouzot, de “Inferno” (explícito nas cenas em que a própria luz no rosto
“glitter” se movimenta e “procura” o foco da “adrenalina” espontânea da atriz Clara Choveaux, “sereia” e “alter-ego” de Paula), destituindo a pretensão e nos apresentando a
passionalidade. O som de objetivação em hipérbole (enaltecendo a música
eletrônica e latina – meio “macumba” africana) cria a sinestesia das imagens
fragmentadas e em elipses da vida na noite, em que a percepção é adulterada pelo
sincretismo intrínseco da característica notívaga. A colagem mostra a exposição
deliberada, contagiante e latente da liberdade de "procurar vivenciar plenamente
a vida". A mãe de Eryk Rocha (de “Transeunte”) “explora” as duas coisas que “mais
adora”: a música e a câmera (“anacrônica Z1”, que “não é sofisticada, mas
suficiente”). “Saí na noite gravando, uma possibilidade de compreender o
encontro, estimulado pelo contato com a música”, disse Paula. O “videoclipe”
(quase de instalação cênica do cotidiano) “propõe novas linguagens e coletivos
da música do Rio de Janeiro, proporcionando essa aventura”. Na sessão da VI
Semana dos Realizadores foi distribuído um fone de ouvido “por questão de
conforto”, corroborando a máxima de que “música boa é para ser ouvida bem alta”.
Algumas partes bem que poderiam ser uma homenagem à novidade musical “free
improvisation”, que vem “free jazz”, do filme “Os Monstros”, da Alumbramento
Filmes. “Noite” mescla paralelismos de impulsividade ensurdecedora ao silêncio
máximo das imagens de filmes como “2001”, de projeções metalinguísticas, do “transe”
da dança, da sensualidade da conquista, do efeito “olhar” da maconha, criando-se
a relação da reação da inclusão da música na cidade pela fotografia da memória nostálgica.
Se o estado de transe na plateia em “Exilados no Vulcão” foi induzido, aqui é
propositalmente óbvio e de psicodelia realista, lúdica e idílica. O
espectador adentra em um mundo espacial e cósmico de seres que vivenciam
momentaneamente a luz artificial como salvação libertária à própria liberdade.
O vanguardismo de sensação “pós-festa” justaposta formas, guitarra de Jimi Hendrix
e poema de Patti Smith. Concluindo, um filme para ser ouvido. “Tornei-me muito
vanguardista pelos encontros muito importantes com Fábio Andrade. E a Clara
(atriz) revela um pouco de mim. Uma inspiração forte. Tento me manter feliz
fazendo os filmes que eu gosto. É um cinema estendido em lugares abertos e galerias.
Não é mais cinema contemplativo. É o cubismo. É uma obra em movimento. É um som que faz sofrer também pela altura e frequência, proporcionando a liberdade. Sou muitas Paulas e cada filme revela como eu estou. Faço o que gosto. Não sou uma realizadora de carreira”,
finaliza a diretora Paula Gaitán.