Crítica: Mil Vezes Boa Noite

"Eu levei a minha própria história, foi muito pessoal, todo o filme é contar uma história que é quase autobiográfica. É quase meu diário. É por isso que eu precisava mostrar o filme para a minha filha antes de fechar as edições, para que ela pudesse vê-lo e dizer o que eu podia e não podia mostrar. O mesmo vale para a minha esposa. Isso não foi complicado em tudo, porém, muito pelo contrário, eles estão muito orgulhosos do filme. A reação de minha filha era de apreciação”, disse o diretor Erik Poppe.

Por Fabricio Duque

“Mil Vezes Boa Noite” representa mais uma possibilidade de conferir o trabalho de uma das melhores atrizes do cinema internacional, Juliette Binoche, que imprime sutileza detalhista em sua interpretação, apresentando-se com versatilidade, com mitigação dos gatilhos comuns dramáticos e com emoção realista. No filme em questão aqui, ela vivencia uma repórter de guerra, que viaja para zonas de conflitos para que possa “mudar o mundo” com suas fotos e para que possa documentar o sofrimento ao mundo. Assim como Sebastião Salgado, o nosso premiado fotografo etnográfico, a personagem de Binoche sofre por não conseguir “desistir” do que é e do que precisa fazer. Este é seu oficio. E entrar em conflito ao “dosar” importâncias da própria natureza e da “futilidade da normalidade” de sua família, sendo “feliz, sem sentir o cheiro da guerra”. Ela não quer saber da “Paris Hilton sem calcinha”, não quer viver a apatia social de um politicamente correto hipócrita, mas mensurar a “raiva” que sempre esteve presente, sentimento responsável por tê-la conduzido a essa “jornada” perigosa e “solitária”. Precisa conviver com dois mundos. Proteger uma comunidade ultranecessitada no Quênia ou  sua própria família, dela mesma. A narrativa busca suavizar todo tempo o drama abordado, por meio da música de efeito que percorre o filme, por momentos sentimentais, por meio de pausas reflexivas, metafísicas projetadas, sonhos flashbacks, imagens de extremo close-up, quase microscópicas. Definitivamente, sem esses artifícios cinematográficos, o longa-metragem de Erik Poppe, um cineasta praticamente estreante, e sem o talento nato de maestria máxima de Juliette Binoche, seríamos teletransportados a um documentário. Mesmo com toda essa suavização, “Mil Vezes Boa Noite” encarna uma carga de sensível dramaticidade, traduzindo a trama com um importante pano de fundo social, porém sem perder o foco e o objetivo que é servir de base para que a protagonista brilhe mais uma vez. Sua naturalidade é brilhante em muitas cenas. A explicação das fotos do Congo à filha, a perspicácia relacional com a outra filha de verdades diretas, a simulação da felicidade em uma mesa de almoço, a fidedignidade de seu “ser intrínseco” ao contra-atacar opiniões superficiais. Há realidade, verdade, calma, passionalidade, de “mostrar o que vê” e ter olho clinico suficiente a fim de personificar instantes em fotos. Um filme que se equilibra, logicamente, em sua atriz principal, que interage competentemente com seu elenco de apoio (principalmente de sua filha mais velha – fantástica) e na percepção de aceitar o propósito do outro, mesmo com a incompatibilidade com nossos quereres, desejos e medos. É o típico egoísmo familiar, de se ter perto quem ama, de se tentar proteger de todos os males e “crueldades” ao redor do mundo. Um dos pontos mais fascinantes do filme é quando a exposição ao sofrimento no grau máximo faz com que o mundo fantasioso que “brigamos” para conservar se transforme. Nem todos são fortes. Recomendo.