Crítica: Interestelar

"Eu acho que é o público que tem que dizer. Nenhum filme está completo até o público vê-lo. Mas é sobre o que nós somos como humanos. Star Wars. 2001. Blade Runner. Sei cada fala do filme. Mas 2001 é a minha grande inspiração. Depois de Star Wars e seu sucesso, o filme foi relançado e me lembro de ter visto em Londres, no cinema, com meu pai e aquilo era sensacional. Não vou dar a lista completa ou você vai saber de onde roubei cada uma das ideias que estão no filme. Alguns psicólogos poderiam dizer que eu estou errado, mas eu gosto de pessoas", disse o diretor Christopher Nolan. 

Por Fabricio Duque

Poucos diretores de cinema “ganham” do espectador uma ansiedade “passional” pela estreia de um novo filme, devido logicamente pelo conhecimento de obras prévias já realizadas de inquestionável reputação. Esta característica ilibada deve-se a Christopher Nolan (de “A Origem”, “Batman – O Cavaleiro das Trevas”, “Amnésia”), que já provou por “a + b” suas idoneidades de construções cinematográficas. O cineasta inglês imprime edição verborrágica com tramas complexas, resultando em um contexto equilibrado e de manipulação não óbvia. Em seu mais recente longa-metragem “Interestelar” (de quase três horas de duração), Nolan consegue “provar” a máxima da “Lei da Murphy (referência explicita no roteiro)” de que em algum momento certas decisões não são a melhor opção. Não podemos “decretar” a “morte” de seu cinema. Nunca. Até porque, é permitida a “derrapada” de vez em quando. Sempre. “Interestelar” é literalmente sua viagem ao “Buraco de Minhoca”, perdendo-se nas idas intergalácticas, giros, reviravoltas, consequências e nas recorrentes referências cinematográficas do gênero de ficção cientifica. Apresenta-se como um “assumido” produto hollywoodiano de ser, tanto na essência, quanto na utilização dos gatilhos comuns. Mas não desde o início do filme, que se traduz em uma fotografia granulada, anuviada e escura (de película visual), de edição fragmentada, confundindo a montagem do quebra-cabeça por causa de não se saber se o que vê. Memórias, sonhos, depoimentos (tradicionais) intercalados, tempestades de areia reais ou metafísicas, plantações de milho, câmera trêmula amadora e observadora, planos aéreos e abertos, “coordenadas binárias das camadas de areia”, e ‘drones’ que “tem que se adaptar como nós”. É intuitivo, de poesia visual, de metáfora fantasmagórica e de existencialismo concretista (“Você nasceu deslocado, quarenta anos para trás ou para frente”). E reitera o estilo Nolan de existir: de construir aos poucos a trama. Mas provavelmente o diretor não “conseguiu” esta “liberdade”. E assim, reinicia-se o filme, entrando em outro campo mais comercial (extremamente palatável), de exacerbadas explicações (“coordenadas secretas da Nasa” e “planos para salvar o mundo – A ou B”) e trilha sonora de efeito (aumentando dramaticamente) para “coroar” a “mudança”. É um filme catástrofe, de cumplicidade sentimentalista, de situações-tensões limites com salvamentos no último segundo, de “descobertas” em tempo hábil, “que arrisca tudo por um quase”, que tenta “ser memória” para “ajudar os filhos no futuro”. Em relação às teorias, muitos físicos acreditam na credibilidade apresentada de “animação suspensa”, de “tempos diferenciados” e “galáxias alternativas”. E, mais uma vez, o filme recomeça. Cria-se uma “adaptação” livre de “2001 – Uma Odisseia no espaço”, de Stanley Kubrick, “copiando” o Sistema de computador Hal, agora com “nível de humor cem por cento e nível de sinceridade de noventa por cento” e que é mesclado com o Monolito, “animado”, “personificado” e “articulado”, que se chama Tars, alusão-homenagem ao cineasta russo Andrei Tarkovski, mestre da ficção científica de geologia existencialista. Quase um “X-Men”. Outra referência explicita é a “Gravidade”, de Alfonso Cuarón, por causa do “balé” do espaço e do silêncio exterior, e – já antecipando – pelo “poder” que os americanos possuem de “vencer” até a “dimensão do tempo” pela “distorção do espaço”, retornando intactos, heróis e admirados (“pensar não como individuo, mas como espécie”). O roteiro insere o típico humor americano, seus trocadilhos de riso fácil, “remédios para enjoo”, “exploradores de buracos esféricos” rumo ao desconhecido pelo bem comum, esquecendo-se da máxima da “relatividade do tempo”. No novo “planeta”, outra referência: “Oblivion”, Joseph Kosinski com Tom Cruise. E com “Água, a essência da vida”, o melodrama “constrangedor” está instaurado e assim como um jogo de futebol que é goleado, a “esperança” do público permanece “inóspita” no “buraco da Minhoca” de atmosfera piegas. Trocando em miúdos, é o “amor” (“que significa algo”) de um pai que luta entre galáxias para reencontrar sua filha, entre “lapsos temporais” e “medo do tempo”. “A realidade é diferente”, diz-se. Sim, Nolan, é. A manipulação emotiva (de extremismo vitimado) fez com que a “mensagem vagueasse na escuridão”, “desapegando-se” do espectador com ingenuidade infantil. Com “salvando um, salvamos nós mesmos”, Nolan “tenta” sem sucesso recriar sua “A Origem” tridimensional, cósmica e interestelar. O final corrobora comodismo e a necessidade latente do final feliz mais para imaginativo que para realista.