“Li uma notícia de jornal sobre
Luiz Fernando Bispo e aos poucos vi o universo dele (o filmei de 2007 a 2009) e
o de Paulo Paes (de 2009 a 2011). Todos nós estamos no universo comum”, disse o diretor Rodrigo Savastano, Dido aos amigos.
Por Fabricio Duque
“Flutuantes” corrobora uma das
máximas do cineasta espanhol Pedro Almodóvar que diz que “o humor é um dos bons
modos de criticar” ao abordar uma “denúncia” humanizada de “todos os corações
flutuantes que orbitam por aí”. O roteiro apresenta pessoas simples (“viajantes
dos cosmos”) que vivem à margem de bacias e da “própria sociedade” e que
tentam, como formiguinhas, diariamente, “fornecer” sustentabilidade resiliente às
áreas afetadas pelo esgoto e pelo lixo com “investimentos míopes e elitistas”,
e impedir que a “paralisia estrutural” se instaure por completo. O documentário (produzido pela produtora própria Maraberto FIlmes e co-produzido pela Cavideo) do diretor Rodrigo Savastano apropria-se de uma narrativa (que por sua essência
já é amadora) cínica sem mostrar deboche, não tradicional (deixando as imagens “ganharem”
vida própria) e de utopia realista, suavizada por poemas impulsivos e energéticos,
por justaposição de imagens, por percepção de seus próprios personagens da
dificuldade “sobrenatural” das ideias que “exercitam” e por “conversas
imaginárias (com senadores e editores da Revista ‘Caras’)” ao telefone. A
câmera ontológica (próxima e de ação cotidiana) busca a investigação sobre ser
básico e seus relacionamentos com o ambiente cosmológico (formas sombreadas,
reflexos solares, ondas e fundo do mar interagem com seu público) dos fenômenos
naturais (comportamento da vida no mangue). A problemática, totalitária em sua
causa, “desnorteia” aqueles que se preocupam com um futuro. Passa-se pelo
Complexo da Maré, Cabo Frio (“por ter vento e água limpa”), Ilha de Deus (em
Recife), Caximbau, Portugal, observando “incongruências” possíveis, como a
bacia vista como “minha ilha” com “piscina-palafita”, “possante”, “ultraleve” e
o desejo de uma “plantação de Cannabis no mar”. “Utensílios básicos para uma
vida saudável e feliz”, diz-se com sarcasmo espirituoso. Há contraste das elucubrações
fidedignas (tom de “causos”, mas sem soar “historinhas de pescador”) destes “moradores
nas encostas do rio” com o ambiente em que “aprenderam” a conviver. Eles
discutem, meio Manoel de Barros, filosofia popular e coloquial: “liberdade de
leitura”, “mexilhão dourado”, “demônios internos que fazem a pessoa ser completa”,
“garrafas com mensagens”, “películas de desenho animado dos Simpsons”, “o ‘não’
que é necessário”, “artes plásticas”, “conhecimento geológico”, “balão solar
(sem fogo) como oferenda da divindade”, “fisália do mar”, “fenômeno Resurgência,
topografias e nutrientes intactos”. São vidas incomuns “felizes ao que o lixo deu”
(inventando soluções simples a problemas complexos) dentro de uma aceitável normalidade
resignada (da população que suja a rua com propagandas dos candidatos
políticos). “O mundo é uma troca de favores”, diz, entre pouquíssimas partes
ficcionais, algumas intercalações de paisagens mortas, fotografia psicodélica,
imagens finais fragmentadas em videoclipes de manifestações e filmes políticos,
aparições no programa de televisão do Jô Soares, danças no plástico e “fado
flutuante” de Petrônio. Se o espectador se questionar o porquê disto tudo, um “protagonista”
responde com “porque estava ocioso”. O protesto daqui é sutil e perspicaz. “A
lama não pertence mais a gente e sim ao (Carlos) Minc”, revolta-se. As ideias “sustentáveis”,
protetoras e “solidárias” querem “mudar as configurações das coisas”, “garimpar
cultura”, “reaproveitar e morar em uma casa mais natural – talvez até feita de
garrafa pet”. O documentário é sobre “microbiografia de um aventureiro”, termo
cunhado ao personagem principal Luiz Bispo, que foi candidato com número 43171,
que “voou” e que vestiu uma fantasia de palhaço para a sessão exibida na VI
Semana dos Realizadores. O diretor, e sua trama "poética flutuante em um
sentido fluido, que nem o de uma corrente de água”, “descobriu o filme filmando”
(principalmente os personagens com sua “arte, biologia, vida, entrega no
trabalho, maturidades poéticas, positividades, capacidade de flutuação e pulsão
de alguma coisa”), e por uma “falha irrecuperável no HD”, este é a “segunda
versão “editada” (porque o filme “morreu” depois da exibição no Festival de
Tiradentes)”. Concluindo, um "documentário-existencialista" curioso, de fluidez extremamente interessante de gênero ambiental. Recomendo!