“Um
edital ganho de 37 mil reais para curta-metragem que virou este longa-metragem.
Observei meus pais e vários casais da vida da periferia. A experiência
interpretativa no curta serviu como laboratório porque eu não sou ator
profissional. As músicas tem a ver com o momento da cena e caíram como uma luva”,
disse, com timidez envergonhada, o diretor André Novais Oliveira.
Por Fabricio Duque
“Ela
Volta Na Quinta” reitera uma das características já marcantes do diretor mineiro
André Novais Oliveira, estreante em um longa-metragem (de seu curta-metragem
anterior): a de extrair uma extrema naturalidade ficcional da convivência com a
própria família. Por orçamento reduzido, o diretor utiliza-se do núcleo parentesco
a fim de baratear custos e "confundir" o espectador entre paralelismos
da realidade, documentário, fantasia e verdade. Não, não é um retrato realista,
por mais que pareça. Seus pais; seu irmão e sua namorada; os amigos; e o
próprio diretor (ator em cena – com sua namorada) seguem um roteiro e
"qualquer semelhança com a vida real é mera coincidência", como
afirma no final dos créditos. Seu cinema mostra indivíduos sociais moradores da
periferia de Contagem, em Minas Gerais, mitigando toda e qualquer possibilidade
de conotação caricata. A narrativa, pululada de planos longos e sequenciais,
apresenta um tempo real editado, sem a extensão perceptiva dos limites oculares
do público. A naturalidade é tamanha, que não nos damos conta da presença da
câmera, devido à superexposição cúmplice deste quase envolvimento interativo em
3D que o filme nos conduz. Os atores (não atores profissionais, incluindo seu
diretor) são extremamente cênicos como conversas nãoficcionais do dia-a-dia de
uma família comum. Essa "confusão" desestrutura o espectador que fixa
totalmente a atenção e desconfia da história abordada. O filme faz parte do cinema
coletivo Filmes de Plástico e “eterniza” cenas memoráveis, dotadas de emoção nostálgica, como a
história da mãe sobre o avô (“que não abandonou o sonho”) referenciando quereres
concretistas de André (filho que viaja com pouca “grana”) e “aceitando” o “ofício”
escolhido (em câmera próxima). Aqui, a vida acontece como ela é. A música tem
um fator de indicação “textual”, porque traduz estados sentimentais internos
dos personagens (pela sutileza do brilho
nos olhos). As referências são transmutadas. Como por exemplo, o filme “O
Matador de Ovelhas”, de Charles Burnett (muito referenciado – incluindo suas
músicas e seu argumento de retratar o cotidiano e propor ao espectador momentos
de reflexão) que “ganha” versão em vídeos do ‘youtube’, em que ovelhas gritam
ao som de Justin Bieber. As novidades da chegada de um irmão são “colocadas em
dia” enquanto outro vídeo é carregado. Tudo é naturalismo
coloquial. As fotos antigas da família (as próprias); o procedimento para
dormir; o desmaio; as conversas com os funcionários; o cansaço explícito do
trabalho (“Tô no limite, desgastante demais”); a “cliente gatinha”; o
transporte de uma geladeira para ser consertada; a mãe no computador procurando
uma música do Roberto Carlos (“Olha” – “Você tem todas as coisas que você
sonhou para mim”); a “negociação” para dançar com a esposa; os cobertores
individuais (comodismo do casamento); o programa de televisão “Viva o Gordo” no
Canal Viva; as propagandas de rua (com enfoque na excursão de Aparecida do
Norte – criando a conexão com a viagem da mãe – “que volta na quinta”); o plano
contemplativo da altura com a conversa com a mãe “meio deprimida” (“Supermercado
de novo?” e “Chá de alpiste para baixar a pressão”). “Nem todo mundo sabe que
tem medo de altura”, diz-se. É um íntimo big brother. Viramos família. Vamos à
feira, “participamos” da conversa sobre a mãe “cismada”, da traição do pai
(ficcional), do jogo de futebol, da “escolha do local do novo apartamento”. Realmente,
é um trabalho à parte. Tentar “desvendar” como o diretor extrai e capta tamanha
naturalidade, palavra esta definidora de suas obras, então, logicamente,
recorrente e redundante neste texto. O filme é a versão estendida e “com futuro”
do curta-metragem “Pouco Mais de Um Mês” e participou do BAL, laboratório de coprodução
do festival argentino BAFICI – Bal Goes to Cannes. “A tristeza tão
grande no peito”, canta Paulinho da Viola, música definidora enquanto dirige e
finalizando com a elipse temporal (aberta) da “vida que segue”. Na equipe
técnica, os peixes-grandes: Fábio Baldo no Som e ainda Thiago Macedo, Maurílio
Martins. Exibido na VI Semana dos Realizadores.