“O processo do filme foi poroso.
De um ponto de partida de um homem sem nada que decide encontrar seu pai. São
fragmentos de memórias e de afeto. Ele precisa do caminho (optamos então pela
estrada mais difícil. Foi um processo livre. Um sentimento com a integridade do
espaço”, disse o diretor Gilson Vargas.
Por Fabricio Duque
Muitos não acreditam. Mas é
possível mudar os auto-estágios resignados que se encontram os seres humanos,
esquecendo o “universo” ao redor e reconectando a si mesmo para que assim se
possa “modificar uma sorumbática existência”. Perder-se para se encontrar. “Dromedário
no Asfalto” reverbera esta atmosfera, corroborando idiossincrasias tipicamente
comportais dos gaúchos (e suas catarses impulsivas e silenciosas). Mesmo sem
querer, há inferência, quase de embasamento explícito (talvez pelas homônimas lacunas,
peças aparentemente díspares, descrições ricas em sutileza e
detalhamento com diálogos ágeis e de rara verossimilhança e a construção
da identidade), à literatura conterrânea de Daniel Galera (de “Barba Ensopada
de Sangue”). O roteiro (“não tradicional”,
mas uma “escaleta”), de Porto Alegre ao Uruguai, apresenta Pedro que recomeça
de “dentro para fora” a carga emocional (perda da mãe e a ausência de um pai
recluso que vive no Uruguai), livrando-se das convenções massificadas “amarradas”
da sociedade e buscando respostas ao acaso. A coragem inicial de auto-abandono é
agregada com a liberdade experimental sem limites e sem consequências de “consumir”
o mundo e com o medo futuro desenvolvido no passado (vivido no próprio presente
– início da “aventura viajante” de um homem só). No caminho, ele encontra
dificuldades, caronas, metáforas realistas (principalmente pela narração terapêutica
da confissão), casualidades, outros indivíduos amistosos, divertidos e
solidários (“errantes” que procuram na própria solidão o “remédio” ao tédio), filosofias
de histórias alheias (que ajudam o protagonista a não se “desviar” da decisão
do resultado objetivado) e o “silêncio, que é o som de todas as coisas no espaço
ao redor”. Chega-se à conclusão, sem a caricatura da autoajuda, de que são as
pequenas coisas que nos deixam mais fortes. O existencialismo é contemporâneo e
de nostalgia coloquial. A narrativa “espelha-se” (imagens “sonhadoras”, um
tanto quanto desfocadas) em seu personagem. É perdida, fragmentada, de elipses
temporais e sentimentais e “buscando algo” para sair da mesmice comum (“ilusão
do movimento”). É a fábula “andante” “Road movie” da procura por um lugar
compatível e confortável, utilizando esse desprendimento do “que já viveu”, e
que “dê a ele propósito”. A câmera passeia por um antinaturalismo idílico ao
recriar, de infantilidade ingênua, “outros seres” e outras possibilidades de
vida, encenando o realismo propositalmente teatralizado. Aqui, não se busca
nada, tampouco se desvendar nada, apenas se “perder” nas novidades. E assim,
reescreve o caminho (na “medida e na distância”), liberta-se do passado e “ganha”
uma esperança nova de perpetuar o futuro (a guitarra de solo cubano, por
exemplo). “Todo ser humano é sozinho porque é um”, diz. O filme (de "autos") “estimula” o
espectador a “querer” aquela liberdade (a vida em uma mochila), complementar esse
vazio e experimentar o “nada”, ora por imagens sensoriais (a casa itinerante),
ora por espaciais e ora por flashes de memórias (uma carta - “Construí um
labirinto; faz muito tempo que eu fui tudo que eu podia ser”). É praticamente
um filme livro narrado com um ator Marcos Contreras (de “Cão sem Dono”,
de Beto Brant e “A Última Estrada da Praia”, de Fabiano de Souza) entregue,
natural, fiel a suas emoções e que nada mais quer que sua “viagem Senhor dos
Anéis” chegue a fim e encontre o “comodismo” do final feliz e do “descanso” de
se analisar a vida todo instante (sua mente verborrágica e reflexiva) e “dar
um jeito”. Concluindo, uma “aventura” existencialista (de espelho terapêutico)
não só do diretor-roteirista-produtor e tampouco do ator (que coincidentemente
vivenciou na realidade quase a mesma história que agora interpreta – “uma
catarse ao ator” e o pai do filme é o “próprio pai do diretor”), mas do próprio
público que interage, observa silenciosamente e participa passivamente.