“Eu conheço o Antônio desde o
Nordeste. Ele é pernambucano, eu sou paraibano. Mas eu o conheci pessoalmente
no Rio de Janeiro, nos espetáculos do teatro Brincante. Eu estava na plateia,
olhei para ele no palco e pensei: “Um dia eu tenho que fazer um filme sobre
esse cidadão”. Ele fala sobre as coisas que eu vivi na infância e na juventude,
quando morava na Paraíba. O maracatu, o Cavalo Marinho, o Bumba Meu Boi... Através
de amigos em comum, a gente acabou se aproximando e fazendo trabalhos juntos
para a TV Globo. Nasceu uma amizade e uma compreensão. Brincante é
um filme sobre o tempo também. A ideia é ser viajante, navegante, amante”,
disse o diretor Walter Carvalho.
Por Fabricio Duque
Dentre tantas maestrias do
diretor-fotógrafo Walter Carvalho (de “Cazuza”, “Raul – O Início, O Fim e O
Meio”), a mais marcante talvez seja a de “convidar” o espectador a interagir participativamente
do filme. O público “vivencia” a trama como um show ao vivo, estimulando a
atenção desencadeando consequências das ações físicas. Em seu mais recente
projeto experimental com estética de cinema, “Brincante”, “transforma” todos
nós em “brincantes”, despertando a alegria desmedida de uma criança ainda não “viciada”
pela repetição sentimental do comportamento humano. Walter “escolhe” pessoas-personagens
para retratar, mas sempre imprimindo uma visão única, ímpar, particular e de
inovação estética. Aqui, “traz” o universo circense, lírico, lúdico e itinerante
do músico-teatral-mambembe Antônio Nóbrega, contando a história por uma fábula biográfica
de obras, poemas, músicas, danças, máscaras, encenações, personificações,
metafísicas, realismos fantásticos, realizações e criações de seu “homenageado”
ao invés da nua e crua tradução tradicional. Desta forma, a narrativa capta a
essência pela própria naturalidade de existir. Metáforas são criadas. A
estética visual granulada, de nostalgia pausada no tempo e de cores vivas com
luz delineadora “abre” telas (como Moisés e o “solo do Sertão”), é acompanhada
por uma “sinfonia” rasgada de poesia “quebra língua”, cacofonia e pop rebuscado
da literatura de Cordel (“A Eva e a Maçã”). Igualzinho a uma peça amadora de
escola (espetáculos “fictícios” de apresentações na rua com plateia real –
inclusive com interações em um trem e um metrô e com versões diferentes de “Romeu
e Julieta”, Antônio e sua amada Rosane Almeida). Esse é o propósito:
desconstruir o humor “técnico” pelo de espontaneidade interpretativa, como um
presépio em que Nóbrega é o bebê recém-nascido (“comer e descomer”). É simples
e incondicionalmente feliz, com personagens simbólicos (exacerbando a
caricatura para reiterar a mensagem, como os vendedores de “elixir”) que se
entregam sem preocupações a catarses internas. São seres “on the Road”, usam a
estrada para experimentar novidades, tempos, “pequenas alegrias”, liberdades,
amores, silêncios, solidariedades, fantasias, valores, para “conservar” purezas
e para ensaiar frevo “West Side Story” e “imaginações na cidade grande de São
Paulo”. A trilha sonora desenha todo o filme, resumindo e ilustrando essas epifanias.
Ser “Brincante” é ser andante, é ser sincero consigo mesmo, se permitir viver
só o que causa a paz interior e “ter” alegria em qualquer lugar e em qualquer
hora. Concluindo, um longa-metragem
documentário-retrato que “desassombra” e “destrincha” seu protagonista real que
se apresenta como um personagem ficcional de si mesmo em uma viagem musical conduzida
pelos personagens “avatares” de Antônio Nóbrega, João Sidurino e Rosalina – das
peças “Brincante” e “Segundas Histórias”, expressões culturais desse artista que
faz parte do imaginário cultural brasileiro. Exibido no Festival do Rio
2014, produzido pela Gullane Filmes e distribuído pela Espaço Filmes, o filme é
um misto de diversão, memória afetiva e desprendimento do tempo-espaço de uma
atualidade tão corrida. É uma oportunidade para desacelerar e se autoconectar
com nossa existência “analógica”. “Eu transformei a plateia na câmera. Antônio
Nóbrega trabalha no teatro, para a quarta parede. A parte teatral e musical dele
acabou se transformando na própria câmera. Por exemplo, tem um diálogo entre o
personagem dele e a morte no filme. É só plano e contra-plano, como no cinema
clássico convencional. Não é um teatro filmado. É um cinema representado,
interpretado, como em qualquer filme de ficção. Dirigir cinema é uma tarefa
muito difícil. Quanto mais cinema eu faço, mais cinema eu quero aprender. Você
não leva toda a experiência acumulou nos filmes anteriores ao próximo filme,
porque cada filme é uma vida. O cinema tem metáforas, ele tem uma vida orgânica
e própria dentro de cada filme. Não dá para importar o conhecimento, e ninguém
faz dois filmes iguais. Dirigir é uma tarefa muito complicada, a cada novo
projeto, eu sempre acho que estou fazendo o primeiro filme da minha vida.”,
finaliza o diretor Walter Carvalho.