Crítica: Branco Sai, Preto Fica

“O Coletivo sempre traz embate. Ele é muito massa. Mas contraditório. Tem que explodir. Tentamos resignificar, porque já sabemos que se perde, então ‘vamos para frente’. Buscamos o sonho de fazer um ‘Blade Runner’, mas o dinheiro não dava. Precisa-se intencionar, senão fica encontro de casais. Trabalhamos em potencializar o corpo fora de quadro.  O mais perverso é o bom gosto. O mau gosto é deles (de Brasília). O bom gosto é nosso (da Ceilândia), disse o diretor Adirley Queirós. 


Por Fabricio Duque


A sessão de “Branco Sai, Preto Fica” foi até agora a mais disputada da VI Semana dos Realizadores. O burburinho é devido a seu interlocutor, o diretor Adirley Queirós (do documentário “A Cidade é uma Só?”), um “autêntico ceilandense” (nascido, na verdade, em Morro Agudo de Goiás). Suas ideias ganham atenção por reverberar sinceridades extremadas e verdades “verdadeiras”, conservando sua ingenuidade popular e o jeito “Ceilândia de ser”. Uma das cidades-satélites (região administrativa do Distrito Federal) é o lugar escolhido para que Adirley possa “exterminar monstros internos em relação à Brasília”, projetando ficções científicas e ideias arquitetadas à destruição da matriz de "filme de terror". O objetivo era realizar um “Blade Runner”, mas com o pouco dinheiro, conseguiu-se um Michel Gondry, mesmo construindo cenários do zero e artimanhas tecnológicas (como as câmeras de segurança e o elevador adaptado à cadeira de rodas – uma vida “autossuficiente”). Em “Com Os Punhos Cerrados”, a Alumbramento Pretti mais Parente busca anarquizar com material bruto conceitual, aqui a critica acontece pelo surrealismo futurista da nostalgia sentimental de um baile charme (por exemplo) e pela limitação física de um cadeirante e um que teve a perna amputada. É realista, mas suavizado. Incisivo, mas sutil. É anarquia sensorial e espacial. Contudo, a coletividade do cinema solidário e o elemento de transmissão radiofônica (nostálgica – fotos antigas e discos vinil long play, livre, libertária (rap improvisado) e apócrifa, quase um “Black Bloc” verborrágico e sem censuras ao politicamente correto social) são os mesmos, utilizados para “importar” o passado (o próprio presente – uma Ceilândia atrasada no tempo, em “núcleos habitacionais” e de pessoas “amputadas” que dirigem carros e que “produzem” pernas mecânicas, quase “RobôCops”) ao futuro de 2070 (uma Brasília altamente elitizada e “branca” que solicita “passaporte” de entrada alfândega), com viagens intergalácticas (que geram “melancolia”) e humor de cinismo espirituoso (como salvação, recurso “Efeito Borboleta”, memória e dados “eternizados”). As metáforas, principalmente as da na oficina “Bat Caverna” de uma Rádio Pirata (“toco o que eu quiser, a Rádio é minha”), constroem este gênero catástrofe de aguardo apocalíptico. Os personagens mesclam suas próprias histórias de como “perderam a perna” e que não podem mais “dançar passos de músicas ‘Soul Music’, funk e charme” (a memória esvaecida do “Quarentão”, da “gelada que vinha quente” e do “Melô da Barata”). Eles tentam “recriar” com regras próprias “a vanguarda do futuro” pelo extremismo ideológico da sobrevivência racial e social. A narrativa ficcional de estrutura de documentário “permitem” limites “vencidos”, resignados, tolerantes, calmos, tanto na cadência fílmica quanto de seus protagonistas. A temática deste lembra o filme “Um dia de Crime”, de James DeMonaco. Mas aqui, anarquia possui tempo, plano, propósito, “agentes infiltrados” e “desintegração tempo-espaço”. “Sem provas, sem passado. Sem passado, sem dinheiro”, diz-se com a “pretensão” ingênua de “derrubar helicópteros” com frequências analógicas de “exportar” o som do “povo” (captado em comércios populares) e de Dino Black. “É a dança do jumento balançando o instrumento” é cantado, protegendo-se pelo humor dúbio e “pelo diafragma”. O “esquema louco” quer “confundir” o futuro com o passado “bagunçado”. O final “apropria-se” com graça da estrutura Hollywood tipo “Onze Homens e Um Segredo”, para desligar a “energia” em doze minutos, “lutar pela condenação do Governo Brasileiro e o ressarcimento das famílias” e “explodir” Brasília por “quadrinhos”. “Da nossa memória fabulamos ‘nóis’ mesmos”, finaliza-se. Concluindo, uma obra de arte política, de anarquizar mesmo o que sabe que não se pode mais mudar. "A música (transcendental do forró) era uma tentativa de dialogar com o popular. Sem cumplicidade o filme não tem sentido e quando um personagem entra, ele cria narrativa própria. Quando um ator sente ser um ator, daí a gente inventa. Eu só gravava quando se tinha a vontade de gravar. O cenário foi todo construído com engenharia mecatrônica. As verbas de um filme constituem um espaço político. Meu público alvo? Seis bilhões e ainda os intergalácticos. Eu não gosto de Brasília. É um lugar de contradição. E ganhei simbolicamente o Festival de lá. Mais importante que o filme é saber que o cinema é importante. Ganhar é relativo. O massa é que a renda foi distribuída entre os concorrentes. Mas Festival legitima o edital”, discursou o diretor Adirley Queirós.  Recomendo.