““Boa Sorte” não faz julgamentos
ou explora dramas. É uma história de amor. É a narração do encontro de dois (personagens)
e de como cada um transforma a vida do outro. Eu adorei o conto por causa da
história de apelo dramático, mas tratada de um jeito pop, da invisibilidade
social à morte. Hoje em dia, qualquer tristeza já é vista como depressão. E
tomam remédios porque acham que aquilo vai trazer felicidade”, disse a diretora
Carolina Jabor.
Por Fabricio Duque
“Boa Sorte”, adaptado do conto
"Frontal com Fanta", de cineasta gaúcho Jorge Furtado, é a estreia em
um longa-metragem de ficção da diretora Carolina Jabor (do documentário “O
Mistério do Samba”), que foi escolhido Melhor Filme pelo público no Festival de
Paulínia 2014. Sua narrativa de filosofia antinaturalista, que busca a utopia
do amor verdadeiro e puro dentro de um ambiente inóspito e preconceituoso. A
crítica adjetivada de alguns por causa da não espontaneidade, é justamente a virtude
definidora deste filme, que serve como suavização ao tema desconfortável.
Inferimos, mais superficialmente, a “Bicho de Sete Cabeças”, de Laís Bodanzky
pela subjetividade insipiente de pais em relação a liberdades e fobias sociais
de seus filhos. A dicotomia cria o paralelo crítico entre o uso “não oficial”
do ansiolítico com refrigerante para “dar onda” (“Você tentou com Fanta Uva?”)
e “fugir da realidade incompatível” e o uso “oficial” prescrito pelos médicos.
Mesmo com a estrutura encenada (até de percepções óbvias), o filme mitiga
sentimentalismos e clichês, mostrando o elemento textual do roteiro (do próprio
autor do conto junto com seu filho Pedro Furtado) como seu ponto forte ao
pulular “tiradas” de existencialismo coloquial e pop. A trama conta a história
do adolescente João (João Pedro Zappa, de “Éden”, de Bruno Safadi), que “impulsiona”
problemas comportamentais. Ignorado pelos pais, pelo individualismo do mundo moderno,
ele se torna agressivo com os amigos de escola. Quando é diagnosticado com
depressão, seus familiares decidem interná-lo em uma clínica psiquiátrica. No
local, ele conhece Judite (Deborah Secco, que emagreceu mais de dez quilos para
o papel), paciente HIV positivo e dependente química, em fase terminal. Os dois
se apaixonam e iniciam um romance com estrutural temporal de “Houve Uma Vez
Dois Verões”, também de Jorge Furtado. Entre “personalidades com tipos de
queijo”, o filme escala um elenco de “peso” (tendo o brilho redundante de
Fernanda Montenegro – “Maconha pelo menos é barata”), que com cumplicidade
amadora passa a mensagem esperada. “O vírus não sabe que eu existo. Para ele,
eu sou comida”, diz. Detectamos outras referências cinematográficas. “Garota
Interrompida”, de James Mangold; “As Vantagens de Ser Invisível”, de Stephen
Chbosky. Há aqui um existencialismo metafórico (traduzido até por desenhos) do egoísmo
de cada um. E a quebra disso. Vivenciam a experiência da “invisibilidade”
social. “Tem vários tipos de amor. Qual que você quer? Sexo é um ótimo tipo de
amor”, “Se você limpa sua sujeira, paga suas contas, você pode enlouquecer de
verdade”, “Artista que é maluco, não é maluco, é artista”, “A mente nunca está
satisfeito com o próprio funcionamento”, “Algum veneno antimonotonia”, frases
ditas entre citações de “O Pequeno Príncipe”, efeitos psicodélicos advindos das
drogas, epifanias dançantes, com ingenuidade temática, efeito mais
infantilizado, “impulsividade do amor” de não se importar em “entrar na zona de
perigo”. A fotografia de nostalgia contemporânea, retratando os meados dos anos
noventa, ajuda a criar o elemento da passagem de tempo. Todo tempo, o filme
percorre o caminho tênue do melodrama romântico e do realismo textual, mesclando
gatilhos comuns como a “lágrima no rosto”, “fique vivo para lembrar de mim”, o
epílogo explicativo, a liberdade poética de exacerbar o estado vitimado da “sentença
de morte” de quem é soropositivo, visto que remédios estendem consideravelmente
a “duração” da vida. Talvez, Judite tenha “rejeições” do próprio corpo, mais
Hepatite C, e ainda não conseguir largas as drogas (mais um gatilho emocional
desnecessário). No contexto, “Boa Sorte” retrata com qualidade uma trama “carioca”
de procedência “gaúcha” e que de uma “falta de expectativa” venha esperança da “cura”
pela mudança “apaixonada” de “se comunicar com o mundo” vencendo estágios “virgens”
(físicos, metafísicos, sentimentais e psicológicos).