Crítica: Avanti Popolo

“Hoje, eu não sei o que fazer com o cinema, o que fazer com os filmes, por que fazer cinema. É uma atividade que era difícil na época do Carlão (Reichenbach) e continua sendo até hoje. Fizemos um longa-metragem com orçamento de curta”, disse o diretor Michael Wahrmann. 

Por Fabricio Duque

“Avanti Popolo” representa a estreia na direção de um longa-metragem do diretor uruguaio Michael Wahrmann, que imigrou a Israel e agora se encontra em São Paulo, desde 2004. O filme, exibido na V Semana dos Realizadores, foi selecionado para o festival de cinema de Rotterdam e ganhou o prêmio de melhor filme na mostra Cinemaxxi do Festival de Roma. O longa-metragem, curto de apenas setenta e dois minutos, é uma homenagem ao cineasta gaúcho, radicado em São Paulo, Carlos Reichenbach (que participa como ator e que vivencia sua última experiência cinematográfica – visto que faleceu em 14 de junho de 2012), um dos principais diretores autorais da chamada "Boca do Lixo" paulista. Aqui, Michael imprime a mesma atmosfera com fotografia envelhecida (desgastada), sorumbática, de iluminação artificial, escurecida e “sujinha”, deixando que a câmera “viaje” em uma nostalgia temporal e encontre as características marcantes de “Carlão”, carinhosamente chamado pelo seu cinema “solidário” por sua “família” fílmica. Foi definido pelo seu diretor como “um filme sobre a morte, a ferida, a solidão, o esquecimento, a desesperança”. Inicia-se com a narração didática de um programa de rádio (prólogo, epílogo e “pátria imaginada”). A narrativa “passeia” por imagens “tipo” arquivos (em Super 8 – que “arruína o fim das utopias, memórias anônimas e de como a gente lembra delas”), mistérios, regras, filmes caseiros de 1969 a “Garganta do Diabo”, baleias, Miles Davis de 1974, pelo Centro Acadêmico de 1972, Sete de Setembro de 1970, Praia Grande 1968, pela metalinguagem, por Moscou 1972, pelo verão de 1978, pelo filho “que a casa retorna” invadindo o espaço (manias e costumes) do pai e pela trilha sonora de sons superexpostos (percepção do barulho da projeção na tela) . É um filme de memórias aprisionadas. Em determinado momento, permite-se a mudança. Na luz. Na música. A vitrola toca, em vinil, Perla, “cantora que cantava com o cabelo”, o grupo californiano Oingo Boingo, Alcione, Legião Urbana, Simone, Wando. “Tá ruim a coisa aqui”, diz-se com ingênuas alfinetadas. A fotografia sai de simetria, com personagens “extrapolando” o espaço visual da tela (planos abertos e distantes), que se apresenta como um teatro realista, recorrentemente com câmera estática em um único cenário. São ações simples, panorâmicas e naturais. “O hino é uma coisa bonita”, diz o motorista de taxi (outro diretor, Eduardo Valente, “que não sabe dirigir”). Há memórias da República, História do Brasil em deboche, “lembranças de família”, “passado de glória” e dublagem sacana. “Por que você faz esses filmes?”, pergunta-se com desdém. “Cinema subdesenvolvido é assim: trabalha-se com o que pode”, “Cinema solitário” e “Perdi a capacidade de ver – tudo cinza”, finaliza com uma “bela” e honesta homenagem a Carlão. “É sobre um pai que espera um filho: um idealista frustrado e meio amargo. O filme virou mais alegre do que deveria ser”, diz o diretor Michael. “o filme nasceu para ser um curta-metragem e virou isso. Foi filmado em sete diárias com planejamento muito vigoroso e muito improviso, um ano antes de Carlão ficar com catarata. Aí, ele operou e via tudo” (relação simbólica). “O filme é sobre vários tempos, a narração dialoga com a plateia”. “Revisa traumas coletivos, questiona tabus (o nu frontal) e grandes heroísmos do passado”, encerrando o debate pós-filme na V Semana dos Realizadores 2013. Concluindo, um filme majestoso! Recomendo!