Crítica: Trash - A Esperança Vem do Lixo

Por Fabricio Duque

“Trash – A Esperança vem do Lixo” tinha tudo para dar certo. Um diretor inglês conceituado, Stephen Daldry (de “Billy Elliot”, “As Horas”, “O Leitor”), alto investimento (o cenário foi todo construído – surpreendendo com tamanha credibilidade visual), atores brasileiros de renome internacional (Wagner Moura, Selton Mello, Nelson Xavier) e atores internacionais (Martin Sheen e Rooney Mara), trilha sonora de Antonio Pinto, produção de Fernando Meirelles da O2 Filmes e distribuição brasileira da Universal Pictures. Como foi dito, tinha tudo para se tornar um sucesso, visto a competência sensível e técnica de seu diretor. Mas não deu. O filme “embarca” em um mundo paralelo de caricaturas estereotipadas de visão estrangeira, corroborando a máxima: “feito para inglês ver”. São sucessões de gatilhos comuns narrativos, de estrutura novelesca, tentando ser “Cidade de Deus”, de Fernando Meirelles com os filmes “Quem quer ser um Milionário?” e “Caiu do Céu”, de Danny Boyle. Com músicas “típicas”, bem entre aspas, podemos ouvir o gênero Funk “Eu só quero é ser feliz, andar tranquilamente na favela onde eu nasci...”, o hip-hop, declarações adjetivas e depreciativas, conjugando diálogos não convence por causa de uma artificialidade extremamente superficial, soando amadorismo, talvez pela escolha de não atores. Logicamente, que o linguajar coloquial das crianças (impossível não referenciar a Laranjinha e Acerola – só que aqui há a inclusão de outro) gera “sacadas” interessantes e perspicazes. Eis que os “baixos” voltam. Ativista político, projeto de casas populares, recompensa pela carteira, música clássica no cano do revólver, Bíblia com códigos para achar o dinheiro tudo se apresenta fora de tom. Ora sentimental, ora clichê, ora faltoso. “Um pouquinho melhor é melhor que nada”, diz-se. Eis que os “altos” aparecem. O olhar sutil do padre ao rezar, o sorriso do Wagner, e o olhar de um dos garotos ao olhar o padre. Entre planos e milagres, ônibus a Barra, roupas C&A, cadeia lotada, a parede pichada de “mais amor porra”, a filha que espera o pai no cemitério durante dias sem comer, a câmera de vídeo ligada que cai no chão e filma toda “operação” violenta e corrupta, o roteiro soa ingênuo por buscar uma cumplicidade total do espectador de aceitar a afetação melodramática como naturalidade realista. A previsibilidade conduz toda trama. Por incrível que pareça, o que deveria ser o auge da “bagunça”, o final gera, talvez pela fotografia estilizada e edição sóbria, sentimos a esperança, com indicações de subornos “ficcionais” a Igreja Universal, à CBF, etc. “Tá tudo Sujo”, diz-se. “A gente se acostuma”, rebate-se, com a cantora Mia como música tema. Concluindo, os “baixos” ganham em disparada dos “altos”, desnorteando um equilíbrio e mitigando qualquer possibilidade de identificação. “Eu tinha três possibilidades: Brasil, Índia e Filipinas. Escolhi o Brasil porque gosto muito do Fernando Meirelles (diretor de Cidade de Deus e dono da O2, uma das produtoras do filme) e aqui tem um grande trabalho com não atores. E eu precisava de crianças com esse olhar da vida difícil, e sabia que aqui poderia encontrar. Eu fiquei dois anos no Brasil, incluindo o tempo da filmagem. Eu morei no Rio, e vim primeiro para escolher o elenco e a equipe técnica. Também quis observar os hábitos da população e a situação da cidade. Quando cheguei aqui, fui me apaixonando pelo lugar e pelas pessoas, sempre otimistas. Continuei morando no Rio na época das filmagens. Eu estava com vontade de fazer um thriller, que fosse numa outra língua, e de trabalhar com crianças. Foi uma experiência maravilhosa. O Brasil tem grandes talentos em termos de atuação. E eu tinha o Christian Duurvoort (preparador de elenco) sempre por perto para me traduzir tudo”, finaliza o diretor Stephen Daldry. Nada melhor que ele para tentar explicar o que foi feito. A trama apresenta os garotos Raphael, Gardo e Rato, três meninos que vivem rodeados pela pobreza e miséria em um lixão do Rio de Janeiro. Porém, após um deles encontrar uma carteira em meio aos despejos do aterro sanitário, os garotos entram na mira de um policial e de um político corrupto. A carteira em questão pertencia a José Angelo, que deixou um código capaz de levar a uma fortuna de R$ 10 milhões. Os únicos que apoiam os meninos são um padre, que atua no lixão, e uma professora, que tenta contar a história deles para o mundo. Brincou-se após a exibição de que o “Capitão Nascimento”, papel icônico na carreira de Wagner Moura, obrigou Daldry a estética do lixo. É compreensível de que depois de tantos filmes de sucesso, um diretor pode sim dar uma derrapada. O que surpreende é o tamanho. O filme está longe de ser bom, e o espectador precisa “rebolar” muito para conseguir extrair positividades.