Crítica: Relatos Selvagens

Por Fabricio Duque

“Relatos Selvagens” representa mais uma obra que se abriga, explicitamente, na estética cinematográfica de Pedro Almodóvar, que participa como produtor, a princípio. Seriamos ingênuos se não acreditássemos que Damián Szifron (da comédia argentina “Tempo de Valentes”) “sugou”, no melhor sentido do verbo, o melhor do mestre referenciado. A trama constitui-se de crônicas, todas de sátira social, sobre o “sistema” legal de uma Argentina com homens e mulheres à beira de um ataque de nervos. O fio condutor é unicamente o cotidiano vivenciado em si. Seus personagens não “conversam” entre as histórias. Pode muito bem ser considerado um compêndio de curtas-metragens, vistos que se mostram “redondas”, com seu início, meio, fim e a mensagem. São fábulas realistas de catarses “terminais” e catastróficas. Cada segmento traz sua vingança passional, exagerada, kitsch, extremamente “almodovariana” pelas hipérboles e sentimentos experimentados sem dosar consequências e limites. A narrativa acelera as ações “corriqueiras” dos personagens, tendo a câmera passeando por suas ironias ingênuas de sinceridade ácida e sem pudor. “É preciso terminar a autoestima de um pobre infeliz para proteger os ouvidos dos outros”, diz um crítico-protagonista em tela e o espectador entrega-se a gargalhadas. As situações incomuns e surreais são extremamente divertidas, deliciando quem assiste com sacadas perspicazes, inteligentes, de humor peculiar. A vingança da primeira parte vem de um avião que todo mundo se conhece. Logo em seguida, os créditos de abertura são praticamente outro “curta-metragem”, já que cria picardias metafóricas com animais de uma floresta. O diretor é a raposa. Os produtores, elefantes. Alguns atores, como Leonardo Sbaraglia, veados. A segunda parte “possibilita” outra vingança: a um candidato mafioso à Prefeitura. “A cadeia só tem má fama”, diz-se, entre venenos vencidos. Traduz-se uma irritação e uma intolerância ao outro. Estão no limite de suas faculdades mentais. Como é o caso da terceira parte em que o acaso se vinga e que mesmo com a opção de se livrar “saudavelmente” e ou “esquizofrênica” (com fezes e urina), as consequências são levadas até o fim, literalmente. Esse curta-metragem (com Leonardo Sbaraglia) lembra e muito algum episódio de “Breaking Bad” e a briga de “animais” para “atestar” quem é mais poderoso. Na quarta parte, temos Ricardo Dárin, funcionário de uma empresa de demolições que tem seu carro rebocado e sofre os “desmandos” de um sistema “corrupto”. A indignação faz com que perca aos poucos sua vida, o tornando um zumbi resignado, mas a vingança acontece, até porque são “fábulas de acerto de contas”. Na quinta parte, um filho de um “ricaço” atropela uma mulher grávida e foge. Então, subornos superfaturados são arquitetados, mostrando um “bando de abutres em cima da carniça” e a “compra” da culpabilidade do empregado da casa. Na sexta e última parte, a narrativa parte da superficialidade comportamental em um casamento a um enlouquecido surto psicótico da vingança e da cumplicidade dos recém-casados. As fotos, a repetição da felicidade desmedida e a padronização das reações desconstroem-se quando uma percepção vem à tona por um “acaso inacreditável”. Sem querer contar nada, apenas dando nomes aos bois, podemos comparar esse segmenta com uma mistura de “Titanic” na melhor atmosfera espanhola com um tango balcânico e com “Garota Exemplar”, de David Fincher. Concluindo, é impossível escolher o melhor e ou o preferido. Todos possuem equilíbrio, competência e garra. É como se competissem para ser o melhor na natureza com a ideia de que “os mais fortes sobrevivem”. O detalhe é que aqui é briga de cachorro grande e não há perdedores. Assim, quem ganha é o espectador que “recebe” seis obras-primas dentro um mesmo longa-metragem. Trocando em miúdos, é perfeição. Recebe a nota máxima do Vertentes do Cinema. Exibido no Festival de Cannes 2014, “Relatos Selvagens” é o representante argentino na categoria Melhor Filme Estrangeiro no Oscar 2015. Imperdível!