Crítica: Ilegal

“As dificuldades foram a burocracia de um estado inoperante e uma sociedade insensível a uma causa que é urgente”, “O Planalto (em Brasília) é um retrato do nosso país, com os mesmos preconceitos e a ignorância que o nosso país tem”, “A nossa sociedade é assim”, “Queremos viver em uma sociedade mais madura, que possa debater temas complexos de uma maneira mais honesta e, principalmente, com informação”, disse um dos diretores Raphael Erichsen. 

Por Fabricio Duque

“Ilegal”, documentário de Tarso Araújo e Raphael Erichsen, representa uma obra de pesquisa “sensorial” de utilidade pública. Utilizando-se da carga emocional presente no tema, sem gerar sensacionalismos exacerbados, o filme é um poderoso discurso questionador sobre os benefícios da maconha medicinal, com enfoque no composto Canabidiol, comprovado como a “única” solução medicamentosa a fim de “zerar” as convulsões por crises epilépticas repetidas (60 a 80 por semana). “Ilegal” retrata o drama de mães que fazem de tudo para “proteger” e dar saúde aos seus filhos, nem que para isso se tornem “traficantes” por trazer o medicamento ilegal dos Estados Unidos. A luta dessas “guerreiras” e “baixinhas invocadas” é diária e “imediata”. Elas precisam modificar o senso comum de que a maconha não é “do mal”, modificar a percepção já massificada e enraizada dos médicos, modificar a legislação para que libere a importação (e ou a produção) de CBD e modificar a Anvisa, órgão regulador dos registros dos remédios. Batalha-se pelo direito da pesquisa de novas drogas advindas da canabis. É muita coisa. A narrativa do documentário não quer chocar o espectador, mas sim documentar por imagens de arquivos a “prova” de que seus os filhos (“uma bonequinha bem quietinha e inerte”) possuem convulsões reais e por depoimentos das mães (e de pais). “O que existe a gente vai, até em Centro espírita”, diz um pai com desespero hiperbólico. Tentam transpassar “uma possibilidade que acaba com qualquer preconceito”, mas “empacam” na “triste” burocracia brasileira (atendentes técnicos, despreparados e intolerantes do SAC telemarketing dos órgãos públicos – Anvisa, Correios), atrapalhando assim “uma vida”. Espera-se de “mãos e pés atados”. Seguindo a máxima repetitiva de “É da Maconha? Sou contra”, o longa-metragem “mexe com assuntos morais”. E foi preciso uma repercussão expositiva da mídia (o curta-metragem exibido na Rede Globo que inspirou o documentário em questão aqui – Fantástico, Fátima Bernardes) de um programa especial para que o tema entrasse “em pauta” na nossa sociedade. A “demanda social” desencadeia, por mais que não queiram, o “fazer política”. Elas só querem o “direito” de salvar seus filhos da “epilepsia refratária” e do “uso medicamentoso” da maconha. O filme “atesta” que somos um Brasil atrasado, com pudores e que se precisa “enfrentar o lobby da big farma”. “Eu preciso lutar por ele, é o meu filho único”, diz-se, gerando nos espectadores mais céticos um “bolo” na garganta de revolta. “Canabidiol” é um medicamento “proscrito”, proibido e a importação de seu uso pode ser “taxado” de “tráfico” (“crime hediondo”). Em alguns momentos, é ampliada a questão de que a maconha também “alivia” os sintomas das pessoas com câncer, esclerose múltipla, depressão e de “substituição” à morfina. Essas mães (e pais) tentam com afinco conversar com políticos para mudar leis e assim “humanizar (aceitando e a “desmistificando”) a maconha” (de efeito psicoativo em seu uso exclusivamente medicinal). São “vidas em espera por causa de interesses políticos”. Um filme obrigatório, necessário, importantíssimo, impactante e que incomoda por “espelhar” (fielmente) o universo social que vivemos. “Vergonha de ser brasileiro”, finaliza-se. A protagonista-mor foi Katiele, mãe de Anny, que se tornou a primeira brasileira a conseguir, pela Justiça, importar um medicamento derivado da maconha. “Elas se tornaram ícones da luta pela maconha no Brasil”, disse um dos diretores Raphael Erichsen.