Crítica: Sal da Terra


Por Fabricio Duque

“Sal da Terra” é o filme de abertura da edição 2014 do Festival do Rio e representa um registro admirado de um filho por seu pai. Inevitavelmente, a parcialidade é unilateral nesta homenagem. E é para ser. Por mais que pareça mitigado de conflitos, o documentário atende seu papel, que é historiar a jornada existencial do fotógrafo social Sebastião Salgado pelos “olhos” de Juliano Ribeiro Salgado e do conceituado diretor Wim Wenders. Apresenta-se em três partes (quase três filmes distintos): conhecimento de mundo (o “nascimento” e o “motivo” de se “largar” um alto cargo de economista para vivenciar plenamente a paixão da antropologia “antropofágica” – da imagem se retroalimentar pela metalinguagem), purgatório (o sofrimento “assistido”, traduzindo pessoas, e transpassado em fotografias de sensibilidade utópica – como no livro “Caim”, de José Saramago) e paraíso (o Instituto Terra – plantando árvores e “tentando” reconstruir o mundo natural). A narração, que conversa com o público, em inglês, português e francês deseja direcionar períodos temporais e gera definições de um existencialismo naturalista, dotadas de utopias, emoções e sentimentalismos (pelo efeito do tema “incômodo”, que confronta o espectador com o que há de pior no ser humano). As fotos estáticas “ganham” histórias, curiosidades, períodos históricos, índios indonésios e brasileiros, caubóis siberianos e diversos animais personificados. É uma radiografia biográfica. Assim como uma viagem de Amir Klink, entendemos a “solidão profissional” de Sebastião e olhamos para nossos quereres. Questionamos o que estamos fazendo e “conseguimos” uma sessão gratuita de terapia (e de autoajuda). “Não é bom”, “Não tem ação”, sobre sua peculiar técnica empregada, de usar a arte da fotografia como uma guerra. Vivenciamos, junto com o homenageado, a experiência solitária de se descobrir descobrindo os outros, de se “acostumar a morrer”, de sentir “a essência igual”, de espreitar a “curiosidade por esta explosiva profissão”. Em determinado momento, nos questionamos: é sensacionalismo de se apropriar da dor alheia ou um registro visceral e “ultra” realista, utilizando a arte como catástrofe estética? Nem uma coisa, tampouco outra. Sebastião Salgado “acredita” veementemente que “todo mundo tinha que ver o sofrimento humano para mostrar como nossa espécie é”, sendo uma “testemunha da condição humana”. A fotografia “salgada”, em preto-e-branco e às vezes colorida capturam o espectador que “sente as histórias”, sofre junto e se torna um cúmplice. Vale muito a pena assistir! Recebeu o Prêmio Especial na mostra Un Certain Regard no Festival de Cannes 2014.