Crítica: Obra

Por Fabricio Duque

“Obra” representa a estreia em um longa-metragem do diretor paulistano Gregório Graziosi, um dos que integram o “novo” novíssimo cinema do Brasil. A “trupe” tem as participações de Kleber Mendonça Filho (“O Som Ao Redor”), Ricardo Alves Jr. (“Convite para Jantar com o Camarada Stalin”), Marco Dutra (“Quando Eu Era Vivo”), Juliana Rogas (“Trabalhar Cansa”), Paulo Sacramento (“Riocorrente”). Inevitavelmente, um cineasta “iniciante” busca nas próprias referências experimentais de realizações anteriores o tom de seu caminho. Podemos perceber no filme em questão aqui uma “colagem” indicativa dos curtas-metragens e das estruturas fílmicas de outros conceituados realizadores. A figura do “cuidado” geriátrico (de “Saba” e Phiro”) vem provavelmente de Naomi Kawase; a naturalidade das ações cotidianas não encenadas (de “Saltos”) procura Lucrecia Martel; a incomunicabilidade social de se viver intensamente o próprio “eu” com silêncios não “silenciados” de “suportar” o outro (de “Mira”) infere explicitamente Michelangelo Antonioni; e a tensão “aterrorizada” sem um iminente motivo, apenas um medo crônico do que possa vir, definitivamente “repete” a “vibe” de “O Som Ao Redor”. Aqui, tudo é usado com referência, mas com estilo próprio. Segue-se o caminho pela narrativa contemplativa e que espera a reação dos personagens, que são “obrigados” a confrontar seus medos, seus acasos, seus dramas, suas resignações e seus limites. Há um limite tênue entre loucura física e fantasia utópica. Esta linha pode ser compreendida se analisarmos o comportamento dos moradores de São Paulo, que buscam no exagero “terminal”, intenso,  apaixonado, ingênuo e de contraste opinativo uma forma de sobreviver dia-a-dia, com os ruídos, barulhos enaltecidos de obras arquitetônicas da cidade. Essas pessoas “descansam” no universo próprio, de um individualismo coletivo monocromático. “Obra” é um “som ao redor” em versão paulista, de ficção científica existencial, que utiliza a metáfora estética a fim de traduzir fobias. Uma fábula realista e de visual preto-e-branco em planos abertos e longos. O roteiro faz o espectador lembrar (sutilmente) de “Medianeiras”, de Gustavo Taretto, por “aprisionar” o espaço e pela “morte da arquitetura moderna”, que vivencia a transformação (“restaura”) ou a demolição (“implode”). Apenas sutil. A câmera “arquitetônica” constrói uma fotografia (minimalista, “clean” e incrivelmente simétrica e de porta-retratos – lembrando em duas determinadas cenas a janela de exibição de “O Homem das Multidões”) que personifica em tom de suspense, sensações e corredores, agindo como um Stanley Kubrick (exemplo a cena da ressonância magnética) moderno e com toques de Robert Bresson. Outro elemento que completa a experiência sensorial de “Obra” é o desenho de som de Fábio Baldo, que levou quatro meses. Um resultado magistral. Podemos até dizer que a parte técnica (buscando uma atemporalidade) é sim um personagem que se “mostra” somente pela exacerbação do que ouvimos ao redor. Talvez por causa da maior parte de silêncios, os diálogos pontuais se comportam com teatralidade forçada e de efeito por não termos nos acostumado. Talvez seja isso. Os diálogos repetem um “clichê” coloquial da fala. Aqui, a incomunicabilidade deixa o estrangeirismo “entendido” por olhares e insinuações silenciosas, às vezes soando quase telepaticamente. Foi escolhido o ator Irandhir Santos, um “metamorfo”, já que interpreta diferentes papéis com sutilezas totalmente opostas. A melhor cena do filme é a da vestimenta da roupa, transpassado por um “plano sequência” estonteantemente naturalista. Gregório foi descolorindo e encontrou sua essência em duas cores diametralmente opostas. O branco e o preto juntos podem representar a ausência ou a união. Sem se questionar, podemos afirmar que o filme estreante é a segunda, por pensar o cinema raiz, de propósito intrínseco de retratar visualmente ilusões realísticas.