Crítica: Hamlet

Por Fabricio Duque 

Uma das características já marcantes no diretor Cristiano Burlan (de “Amador”, “Mataram Meu Irmão”) é a metalinguagem teatral. Em seu mais recente filme, “Hamlet”, mais uma vez em fotografia preto-e-branco, sobre a versão “filosófica” e adjetivada escrita por William Shakespeare, corrobora-se a desconstrução da narrativa clássica ao inserir elementos de estética videoarte com inferências cinematográficas do cinema-teatro de Peter Greenaway, experimentando ficções, dramaticidades, jogos de cena (a Eduardo Coutinho), ângulos fotográficos, improvisações e bastidores com a forma do documentário e trazendo o erudito ao contemporâneo (interações com passantes em uma praça pública e em um trem de uma metrópole – com estrutura coloquial e de amadorismo convidativo e epifânico; com câmeras de segurança; e com explicações sobre técnicas e rumos da história adaptada a própria câmera - tela). “Hamlet não é bossa nova, é rock´n´roll, é música eletrônica, é cocaína”, diz-se, intercalando esses estilos musicais com planos longos sequenciais (estendidos) de contemplação por uma câmera estática, mas com ação (movimento ao redor). Mostra-se um teatro filmado em encenações monólogos ora exacerbando o limite da raiva, ora analisando o “trabalho” dos atores, que “mesmo na paixão, exprime-se a sobriedade, mas nada de moderação exagerada”. Textos “referenciais” são conjugados com os “reais” (do roteiro propriamente dito). Mais uma vez, Burlan “escala” Jean-Claude Bernardet (o pensador que mais e mais se torna um ator) e seu alter-ego Henrique Zanoni.  Não podemos negar que Burlan é corajoso, ambicioso, autêntico, autoral e conceitual, porque mesmo buscando a “simplicidade natural”, não permite ao espectador uma zona de conforto palatável, sendo “cruel para ser justo” e se utilizando da utopia discursiva. Quebra-se o equilíbrio quando narrativas são fragmentadas por colagens exemplificadas da própria trama “tragédia” de “desconstrução do si mesmo”, “enfrentamento das próprias contradições”, e de “mergulho na eterna questão sobre o sentido da existência”. Um filme de momentos, de textos, de palavras, de metáforas físicas, reflexivas e silenciosas, e de unicidade estética até quando se perde no próprio conceito objetivado.