Crítica: Lucy

Por Fabricio Duque

Os dados científicos mostram que cada ser humano usa somente dez por cento de seu cérebro. Não é o caso do diretor Luc Besson (com certeza "explora" muito mais do que isso). O “francês”, que queria ser biólogo marinho especialista em golfinhos, está de volta em grande estilo, e apresenta uma nova versão de sua “Nikita – Criada Para Matar” com “O Profissional”, conservando suas características mais marcantes: a câmera que acompanha movimentos (e reações) e a “adrenalina” de seu gênero policial. Seu novo filme, “Lucy” viaja na “combinação da matéria física” para construir sua trama de ficção científica. Como protagonista, foi escalada ninguém menos que Scarlett Johansson (que “ganhou” o papel por causa da desistência de Angelina Jolie), que “aprende” a utilizar cem por cento de suas habilidades mentais. Ainda bem. A atriz “máquina” já provou em muitas escolhas anteriores a realmente pensar mais que seus “colegas” de trabalho, saindo da mesmice cinematográfica e “embreando” por diferentes caminhos experimentais (vide “Sobre a Pele”, “Ela”, “Os Vingadores”). Definitivamente é unânime a constatação de que Scarlett “salva” qualquer roteiro que “toca” e ainda “ajuda” seus diretores nesta “aventura”. “Lucy” inicia-se fútil, “dando um toco em um ‘ficante’”, manipulada a realizar uma transação “mafiosa”, vulnerável e vira uma “mula” para transportar drogas (CPH4 – baseado em um composto químico real – que é uma molécula natural que as mulheres grávidas produzem, dando ao feto a energia para gerar a estrutura dos ossos). Quando apanha, a “nova droga do conhecimento” é absorvida pelo seu corpo. Torna-se uma mutante, controlando tudo e todos pelo poder de sua mente e começando seu processo de vingança, ao som do réquiem 626 de Mozart. “Cérebros rudimentares”, imagens da vida natural com suas “imortalidades” e “reproduções” (golfinhos que usam vinte por cento), “humanos obcecados pela posse ao invés de ser”, “conhecimento concebido através do tempo”, “controle total do corpo” e “cabe a nós empurrar mais a evolução para revolução” são fragmentos da palestra ministrada pelo Prof. Norman (o ator Morgan Freeman) sobre Darwin. A narrativa caminha no processo de ganho de habilidades da personagem principal em um tempo editado. Aos poucos, Lucy perde suas emoções, dores, medos, desejos, anseios, limitações, neuroses. Contudo, exacerba ao máximo seus sentimentos. Ar, gravidade, a vibração das pessoas, a rotação da terra, o sangue em suas veias, “as profundezas da memória”, o “crescimento dos ossos”, os “sons”, “a música”, dá-se conta então que o ser individual é uma ideia “primitiva” e que ela pode regenerar suas células e colonizar seu cérebro.  “Eu me sinto menos humana”, diz, porque não existe mais a “barreira” que “faz o ser humano escapar” e se comportar como um ser. Cada vez que chega mais próxima da totalidade de suas capacidades mentais, Lucy deixa de existir menos. Torna-se matéria. “Estou em todos os lugares”, entre os primórdios dos dinossauros até o 'mix' da versão “2001 – Uma Odisseia no Espaço” de Stanley Kubrick com as pinturas de obras de arte “divinas”. O filme critica nosso costume de aceitar a posição que estamos. Nosso comodismo impede que possamos usar mais do nosso cérebro. Possibilidade real ou ficção científica? O que fizemos com nossa vida? Como já foi dito, é um filme que usa sim quase cem por cento de sua perspicácia, inteligência, dinamismo e cortes incisivos, mitigando gatilhos comuns, mesmo quando que, por inferência sutil, na parte final, homenageia David Cronenberg. “Lucy” é um típico exemplo de gênero híbrido, que é uma mescla de contexto autoral, estética artística, atmosfera comercial e ambição despretensiosa. Trocando em miúdos, Luc Besson acertou em cheio com seus efeitos especiais “intrigantes” e finaliza dizendo que tinha “interesse em fazer um filme sobre o modo como interagimos com nosso ambiente social”, e que reuniu um elenco a fim de mostrar a diversidade do planeta e uma mistura de diferentes culturas. Recomendo.