Crítica: Amores Inversos

Por Fabricio Duque

Uma mesma história pode ser contada de várias formas diferentes, disse certa vez o cineasta Breno Silveira, sendo possível a reinvenção narrativa ou a corroboração de uma estrutura cinematográfica já conhecida. A diretora Liza Johnson (de “Return”, quase estreante) escolheu a primeira, fornecendo uma “leitura” aos poucos como capítulos de um romance, com suas apresentações, dramas, reviravoltas, desejos, “quereres”, limites e até caricaturas constitutivas. Baseado no conto “"Hateship, Friendship, Courtship, Loveship, Marriage - Ódio, Amizade, Namoro, Amor, Casamento”, da canadense Alice Munro, ganhadora do Nobel de Literatura no ano passado, o filme “Amores Inversos” (traduzido do original “Hateship Loveship”) faz com que o espectador torne-se um leitor, devido ao desenho narrativo de um livro. É um filme que precisa ser lido, página a página, com tempo, despretensiosamente, e aos poucos somos “capturados” pela trama. A protagonista é vivida por Kristen Wiig (de “Missão Madrinha de Casamento” e “A Vida Secreta de Walter Mitty”), que transpassa equilíbrio interpretativo com a filosofia do “menos é mais”. Definitivamente, é um filme de atores, que se “movimentam” e se expõem quase em versão Dogma 95 (movimento dinamarquês criado por Lars Von Trier e Thomas Vintenberg). A câmera acompanha com naturalidade as ações “corriqueiras” e expressões faciais que buscam abrigo no teatro filmado. Então, temos até agora, uma conjugação de teatro, cinema e literatura, e por incrível que possa parecer, desprovida de gatilhos comuns e clichês sentimentalistas. Johanna Parry trabalhou desde os quinze anos cuidando de pessoas necessitados (idosos). Ela limpava, fazia compras, era enfermeira e não se importava em pensar em si mesmo. Ao ser “contratada” para tomar conta de um homem idoso e da pré-adolescente Sabitha (Hailee Steinfeld), a personagem principal, tímida, ingênua, sonhadora, mas não “estúpida”, “uma Mary Poppins” dos fracos e indefesos (incluindo a autoajuda), cai na invenção de duas adolescentes que simulam um interesse amoroso com o pai (Guy Pearce) de uma delas, um homem dependente de drogas, vivendo à margem da sociedade, em um motel decadente. Johanna resolve “tentar” outra forma de ser, só que desta vez, tendo a si como “necessitada”. O roteiro, como já foi dito, segue a linha literária. Apresenta, desenvolve e finaliza sua história, que envolve quem assiste assim como aquele livro que não paramos de ler. O interessante em “Amores Inversos” é o fato de que seus personagens não “tentam” se modificar logo de imediato, tampouco com pensamentos politicamente corretos. Eles experimentam, acostumam-se e vivenciam a “nova” vida. Johanna, em hipótese alguma, “briga” com o que recebe em seu caminho, mas personifica a máxima que “se a vida lhe der um limão, faça uma limonada”. A diretora usou e abusou de seus atores, sem pena, extraindo maestrias e apenas algumas derrapadas (advindo principalmente de alguns diálogos de teatralidade exagerada). Concluindo, um filme que se conta pela sutileza dedicada, perspicácia ingênua (sabendo-se dos limites de se ir à frente),  pela música country de um retrato cotidiano (de Iowa), por exemplo, “Till I Get It Right”, de Tammy Wynette e pela transposição do ambiente literário ao universo fílmico. Recomendo.