Crítica: Bem-vindo a New York

Por Fabricio Duque

Uma das narrativas cinematográficas mais complexas é sem sombras de dúvidas a naturalidade, sendo um desafio transpor fluidez visual à tela. O mais recente filme do cineasta “desbocado” (vide entrevistas no último Festival de Paulínia 2014), Abel Ferrara, “Bem-vindo a New York”, conduz o espectador por um cúmplice “travelling”. O roteiro divide-se, implicitamente, em prólogo, desenvolvimento e epílogo. Já no preâmbulo (na primeira cena da entrevista) há metalinguagem de um ator explicando o porquê da escolha de seu papel. Neste momento, o diretor cria sua genial obra de arte. Na verdade, esta pseudoapresentação é o prólogo final. Quando o filme realmente começa, já há o querer “pretensioso” (muito bem realizado) de “prender” quem assiste, e assim o transformar em “voyeur”, um observador presente, quase participativo ao introduzi-lo ao “submundo” do personagem principal, interpretado, magnificamente, por Gerald Depardieu. Sem correr, mas também sem estender o limite aceitável do que se “consome”, o filme fornece aos poucos informações a fim de se construir o quebra-cabeças objetivado. As cenas de sexo sem pudores (“safadas”, com prostitutas “putas”, sem limites e ressalvas) representam a figura do poder e do dinheiro no famoso “você sabe quem eu sou?”. Tudo é permitido sem freios. Nosso protagonista encarna a personificação da autocrença machista, violenta e “depravada” do sexo, em estupros (consentidos ou não), como uma “suruba de peixes”, causando constrangimento alheio. A fotografia vivencia e contrasta as cores, deixando um tom artificialmente alaranjado de luz fria. Há prepotência quase ingênua ao ser o que é, utilizando do estado vitimado de um viciado em sexo. Temos assim uma nova versão masculina e “desprezível” da ninfomania, que precisa experimentar a “droga” para se sentir “jovem” e vivo. A trama vai “permitindo” uma alusão ao caso de Roman Polanski, que vive em prisão domiciliar e a François Truffaut. O personagem do filme em questão aqui, que concorre à Presidência da França, não quer ser “salvo”, não quer mudar. Deixa explícito quando olha à câmera e “atesta” interagindo ao espectador. Outras críticas são desferidas: o comportamento técnico e robotizado dos policiais ao seguirem regras e os princípios constitucionais de tratar os iguais como iguais e os desiguais como desiguais. Jaqueline Bisset “aparece” elegante, porém ao contracenar com Gerald percebe-se a maquinaria teatral (nada que atrapalhe o longa-metragem). A grande maestria é mesmo a interpretação sutil, crível, pervertida, humilhante, altiva, arrogante, sexual e libertária (nudez total com barriga “protuberante”), seguindo os passos de Marlon Brando, de “desconstruir” a carreira. Imperdível.