Crítica: Um Episódio na Vida de Um Catador de Ferro-Velho

Uma Vida em Um Capítulo Sem Esperança, Mas Com Final Feliz

Por Fabricio Duque

Uma coisa é inquestionável no novo filme do diretor bósnio Danis Tanovic (de "Terra de Ninguém", "Inferno"): sair imune da trama apresentada. A narrativa "docudrama" aprisiona de forma sinestésica o espectador, principalmente pela proximidade da câmera. O filme aborda um episódio na vida de uma família cigana que precisa sobreviver dia-a-dia com regras burocráticas do sistema político de saúde. "Era melhor na guerra", diz-se, explicitando que desiguais são tratados como desiguais. O longa-metragem confronta dois lados: a necessidade da sobrevivência social (quase primitiva) e a legalidade sistemática (não flexível). Quem assiste sente o incômodo da própria inabilidade de fazer as coisas funcionarem, visto que nós torcemos para que "pequenas"  regras (concessões - mesmo que temporárias e ou parciais) sejam quebradas, como utilizar o seguro social de outra pessoa da família para que se consiga o bem objetivado (aqui extremamente utópico) do direito de não morrer. Esta família protagonista tem o conhecimento realista, que após este único instante mostrado, outras  "lutas" virão. As mesmas de tantas outras que já aconteceram. E o futuro apresenta-se sem expectativa, sendo vivenciado por pequenas felicidades (quase infantis e ingênuas), como o religamento da luz, o dvd na televisão e o remédio comprado. Eles transformam "bens" em necessidade. A iminência da morte do nosso próximo não impede que a solidariedade seja despertada. Fazer o certo "errado" de um não vence o próprio "errado" certo. Dança-se conforme a música, elemento cinematográfico este que não é utilizado, mitigando toda e qualquer suavização temática e expondo o problema visceralmente. Trocando em miúdos: é um soco no estômago que confronta nossas ausências sociais, nos "guardando" mais e mais em nossos universos paralelos e individuais. Questiona-se a sociedade e seus pensamentos "unânimes", esquecendo-se que existe a "exceção". No caso, estes indivíduos de uma comunidade pobre na Bósnia são sustentados por ferro-velhos vendidos. Logicamente, não saberemos a continuação desta história, até porque o filme é para ser só isso, mas já sofremos com seus possíveis (ou impossíveis) futuros (consequências), determinados pelo fracasso de se estar na pobreza. Não há esperança. Vivenciamos a impossibilidade da ajuda, como foi dito, que cada vez está mais egoísta e pré-moldada ao sistema vigente neste mundo atual. Será que sobreviverão? A maestria do diretor de intimizar o público pela naturalidade realista de um quase documentário também atinge seus atores: entregues e sem a percepção da interpretação, retratando-se apenas indicações visuais sem impor criticas subjetivas. Concluindo, um longa-metragem que merece ser visto e revisto. Recomendo.