Por Fabrício Duque
“Quando Eu Era Vivo” já nasce com
status de superprodução midiática. Foi o longa-metragem de abertura da 17ª
Mostra de Cinema de Tiradentes. A categoria de baixo orçamento (valor oficial
guardado “a sete chaves” pela California Filmes) não mitigou o sucesso
arrebatador que recebe pelos lugares é exibido. Antecipando a conclusão
analítica, podemos dizer que o novo filme de Marco Dutra (de “Um Ramo”,
“Trabalhar Cansa”) merece cada aplauso. O diretor paulista, “de uma geração
criado em videolocadora”, apresenta seu gênero de suspense, “estimulado” no
filme anterior, deixando “nascer conteúdo para virar forma”. Marco passeia pelo
universo do ocultismo, absorvendo referências – que para o diretor é “parte da
bagagem, mesmo que não intensamente” e as processando em um “produto” nacional único.
A preocupação maior foi não “ficar
conectado a qualquer outro”, procurando apenas ter o caminho direcionado,
principalmente pela direção de arte e pela fotografia. Algumas inferências são
até “assumidas” pela equipe, como “Vestida Para Matar” e “Síndrome de Caim”, do
cineasta americano Brian de Palma, assim como do cineasta Aki Kaurismäki nos
anos oitenta. “Achando pontos de contato com filmes de suspense”, disse.
Podemos,
sim, explicitamente, ou não, mencionar outros. “Coração Satânico”, de Alan
Parker; “Psicose”, de Alfred Hitchcock; “O Exorcista”, de William Friedkin; “Anticristo”,
de Lars Von Trier; “Sexto Sentido”, de M. Night Shyamalan; “O Chamado”, tanto a
versão americana, quanto à japonesa. No bate-papo pós-exibição, Marco disse que
o gosto pelo gênero de horror / terror / suspense o motivou a realizar o filme
em questão aqui. “Na minha época, cinema nacional significava gênero nacional.
Por quê?”, complementou. Tudo surgiu com o romance "A Arte de Produzir
Efeito Sem Causa", de Lourenço Mutarelli, o interesse de Marco (lógico) e
o fato do próprio ator, Antônio Fagundes, aceitar participar mesmo sem nada
concreto. “Foram almas grudando no material”, disse o diretor. A mistura de
sorte, uma competente parte técnica e a escolha dos atores permitiu a maestria
da obra finalizada.
A narrativa estrutura-se nos detalhes, ambientando
espacialmente o espectador e objetivando sua imersão “prisional”. “Casting é
uma arte para fazer. Uma sensação de pólvora”, explica Marco. O público
concorda e aplaude quando assiste a um Marat Descartes, completamente “iluminado”
(referência ao filme de Stanley Kubrick) e um Antônio Fagundes, totalmente
entregue a seu personagem. É briga de cachorro grande. “A mãe sempre ganha”,
diz-se logo no início (e arrepia para quem sabe o final). As ferramentas do
suspense são manipuladas e equilibradas. O louco que grita, a pergunta “cadê as
grades?”, as regressões ao passado em sonhos. Assim como no cinema japonês,
monta-se o quebra-cabeça peça por peça. Sem pressa, mas também sem correr.
Segue o tempo de assustar sem gatilhos comuns, tampouco clichês
característicos.
Apenas ferramentas. O vento, a porta rangendo, a luz que pisca
falhando, a gaveta que abre sozinha, a loucura de “American Horror Story”. O
passado tenta o retorno. Por lembranças guardadas, fitas de vídeo VHS, fotos, o
“quartinho”, o vinil de Elisângela na vitrola, partituras, a figura do demônio,
cabeças de gesso, rituais, benzas, anagramas e “energia temperamental”. Os objetos
cênicos transpassam credulidade, capturando mais e mais quem assiste. Não há
como sair. A tensão acompanha todo o filme. Inevitavelmente, quando a cantora-atriz
Sandy Leah, da extinta dupla musical “Sandy e Junior”, aparece, todos os
olhares a observa atentos, sem quase piscar. Verdade seja dita, Sandy (que um
jornal paulista deu o título de “Encaixotando Sandy” – alusão ao filme “Encaixotando
Helena”, de Jennifer Chambers Lynch) representa bem o papel, uma ou outra
expressão exagerada (a flor no cabelo), como a mudança interpretativa de antes
para depois de adoradora de uma seita.
Ela também canta. Em três momentos. Sobre
isso, o diretor diz que a música era muito importante. “Eu
também sou músico e não consegui largar a mão. A primeira que Sandy canta é em
inglês, distante. A outra, uma composição própria. E a do final, uma de ninar,
sombria”, disse. Possessão? Loucura? Para finalizar, o “plano de filmagem
sobrenatural” e a montagem fantástica de Juliana Rojas, parceira fiel do
diretor, imprimiram delicadeza ao trabalho. A simplicidade despretensiosa
contribuiu para que o resultado não sofresse da “vertigem das pequenas alturas”
(utilizando a expressão de um amigo de uma amiga). Concluindo, um filme que foi
filmado em dezoito dias no final de 2012 e que só podemos visualizar subidas ao
“Quando Eu Era Vivo”, que teve um elenco de apoio “cúmplice” (e conectado). Só
nos resta parabenizar o diretor, equipe e a Disney. “Branca de Neve é um filme
de horror musical. Sem medo de abordar o macabro no mundo infantil”, disse o
diretor Marco Dutra, despertando gargalhadas na plateia jornalística. Uma obra
universal, que agrada a gregos e a troianos e que vale à pena ser assistida.
Recomendo.